O legado de um dos maiores bartenders da história: o mestre Jerry Thomas

⍟ Conheça a história do ícone dos balcões modernos, a mente por trás do livro The Bartender’s Guide – leitura obrigatória para profissionais de bar

Artista, aventureiro, empreendedor e, antes de tudo, um senhor bartender. Não à toa, seu conhecimento ao usar os mixing glasses para combinar sabores e texturas lhe rendeu o título de “professor”. Mas antes de se consagrar como o pai da mixologia americana, Thomas percorreu um longo caminho em busca do conhecimento. A saga foi resumida em sua obra magna The Bartender’s Guide: How To Mix Drinks ou The Bon Vivant’s Companion.

Thomas nasceu em outubro de 1830 em Sackets Harbor, Nova York. Desde muito cedo seus pais já tinham planos traçados para ele: tornar-se clérigo ou um grande professor universitário em Yale. Jamais teriam cogitado que se tornaria gênio atrás dos balcões. Podemos, contudo, dizer que de certa forma ele conseguiu atender aos anseios da família: tomou para si a mixologia como um verdadeiro sacerdócio e, além disso, foi mestre de toda uma geração de bartenders.

Ainda jovem, aprendeu os rudimentos do ofício do bar em New Heaven, Connecticut. Após a morte do pai, usou o dinheiro que recebeu como herança para se aventurar viajando pelos Estados Unidos. Na Califórnia, teve suas primeiras experiências como barman e participou da corrida por ouro que tomou conta daquela região.

Jerry Thomas - Blue Blazer - Reprodução
Criador e criatura: ilustração mostra Jerry Thomas preparando seu drink Blue Blazer

Muito além de sua habilidade técnica para criar coquetéis inovadores e que testavam o limite dos clientes, Jerry Thomas ficou conhecido por ser um showman. No prefácio do How To Mix Drinks de 1939, o jornalista e romancista Hebert Asbury afirma que Thomas era diferente dos donos de speakeasies da Lei Seca. Enquanto estes eram grosseiros e mal educados, Thomas era muito cordial e elegante. Seu cuidado com o material de trabalho ia além do conjunto de prata que levou para a Europa: pedras preciosas encrustadas e medalhas embelezavam os utensílios que empregava no bar. Xaropes, bitters, cordiais e infusões eram preparadas pelo mestre diariamente. Sua postura atrás do balcão e coreografias durante a preparação dos drinks são, sem dúvida, o início daquilo que muitos anos depois seria chamado de flair bartending, com arremessos de garrafas, copos e mixing glasses.

IDAS E VOLTAS A NOVA YORK

Nos anos 50, Jerry retornou à terra natal. Em Nova York, abriu seu primeiro saloon no térreo do Barnum’s American Museum. Mas seu espírito viajante logo fez com que pusesse os pés na estrada novamente. Passou por diversas barras e hotéis de Saint Louis, Nova Orleans, Chicago e São Francisco. Por um breve período, também viajou pela Europa, se apresentando com um conjunto de utensílios de prata maciça.  Em sua passagem pelo Occidental Hotel, em São Francisco, afirma-se que ele ganhava cerca de US$ 100 por semana, valor superior ao salário do vice-presidente norte-americano daquela época.

Mais uma vez de volta à Big Apple, tornou-se head bartender do grandioso Metropolitan Hotel, um dos trabalhos que lhe renderam mais visibilidade. Mas foi na Broadway Street que ele empreendeu seu mais famoso projeto pessoal. Mais que um bar de drinks autorais, o lugar era uma galeria de arte. As paredes eram forradas com pinturas finas, espelhos e caricaturas políticas do artista Thomas Nast.

APOGEU E QUEDA

Apesar dos bares de sucesso que abriu e dos livros que vendeu, Thomas morreu com recursos escassos. Reconhecido por frequentadores de bar de todas as classes sociais, buscou cada vez mais aumentar seus lucros. Mas o golpe mais duro foi sofrido quando decidiu se aventurar no mercado financeiro de Wall Street. Seus bares logo perderam prestígio e seu patrimônio financeiro diminuiu. Em troca, ganhou um reconhecimento capaz de transcender sua história.

Thomas colecionava obras de arte, praticava lutas e outros esportes, era apaixonado por viajar, foi casado e teve duas filhas. Segundo seu obituário, publicado em 16 de dezembro de 1885 no jornal The New York Times, o barman morreu de apoplexia ou AVC aos 55 anos.

SIGNATURE DRINKS

Jerry Thomas é muito conhecido pela criação do drink Blue Blazer. Preparado com água fervente e whiskey, ele é quase um show pirotécnico. De acordo com o The Bartender’s Guide, para prepará-lo é necessário usar duas canecas de metal. “Coloque o whiskey e a água fervente em uma caneca, coloque fogo no líquido e enquanto ele queima, misture a bebida e derrame ela de uma caneca para a outra quatro ou cinco vezes”. Por fim, adoce com uma colher de açúcar e sirva em um copo baixo, com um zest de limão.

A ideia é que o açúcar se dissolva e parte da água vá embora, deixando o drink forte, com notas de caramelo e o aroma equilibrado do limão siciliano. Hoje, ao invés de usar um único tipo de whiskey, existe a possibilidade de explorar o coquetel com dois ou três scotchs ou até bourbons diferentes. Mas cuidado! O preparo do Blue Blazer pode ser perigoso para quem não está familiarizado com o flair bartending. Ao terminar de misturar o drink, coloque a caneca vazia sobre a cheia, para apagar o fogo.

Receita
Receita original publicada no The Bartender’s Guide explica passo a passo do drink de Thomas (Foto: Reprodução)

Outro drink que se atribui a Jerry Thomas é o Tom & Jerry. Ele é feito basicamente com rum, brandy, ovos e açúcar. No topo, pode ser guarnecido com um pouco de leite quente, canela ou noz moscada.  E muito embora o bartender dissesse que a criação nasceu do pedido de um cliente por ovo batido com açúcar e sua sugestão de acrescentar brandy à receita, a história não é bem assim. Muitos defendem que o Tom & Jerry, na verdade, data da década de 1820. Afirma-se que o coquetel foi criado pelo jornalista britânico Pierce Egan, em seu livro Life In London. Autores à parte, coube a Thomas popularizá-lo nos Estados Unidos.

O mixologista também criou drinks como o Buck and Brick (feito com brandy, açúcar e champanhe), Champarelle (champanhe e brandy) e Lamb’s Wool (licor de laranja, rum e manteiga doce).

Mas vale lembrar que algumas medidas e ingredientes utilizadas por Thomas são diferentes das que utilizamos atualmente. Por exemplo, a medida antiga de um wineglass não equivale à uma taça de vinho comum. O açúcar à disposição naquela época era mais grosseiro que o refinado que utilizamos hoje. O gin utilizado pelo bartender certamente era mais forte que os que usamos hoje, pois naquela época o London Dry praticamente não era conhecido. O mesmo vale para as coqueteleiras. Logo, os resultados podem variar na prática.

OBRA DE JERRY THOMAS

The Bartender's Guide Livro
Primeira edição do The Bartender’s Guide, publicada em 1862

Lido por várias gerações de bartenders jovens ou já experientes, o How To Mix Drinks or The Bon Vivant’s Companion foi publicado em 1862. No livro, considerado por muitos a primeira obra sobre drinks publicada nos Estados Unidos, o mixologista fez o registro por escrito de centenas de receitas que antes eram transmitidas oralmente entre os profissionais.

Muitas delas, como já vimos, foram criações do próprio autor. Além das receitas para drinks clássicos como o Punch, Blazer, Flip e Sour, o livro também tem um apêndice com princípios da coquetelaria e um manual para a fabricação de outros insumos. Entre eles, cordiais, bitters, licores e xaropes. O bartender é didático em suas explicações.

Com o passar dos anos, o Thomas editou o livro acrescentando novas receitas conforme ele as criava ou descobria. Em 1876, por exemplo, afirma-se que Jerry Thomas teria acrescentado o Tom Collins à segunda edição da obra. Isso porque criou-se uma febre em torno deste coquetel naquela época. Mas isso é história para outra matéria.

Por se tratar de um livro reeditado muitas vezes ao longo destes mais de 150 anos, ganhou novidades, prefácios e edições feitas por outros profissionais. Hoje, ele ainda pode ser adquirido pela internet ou lido em plataformas digitais gratuitas. Não à toa, o The Bartender’s Guide se tornou uma referência na literatura sobre coquetelaria não só para os barmen em geral, mas também para os autores que vieram a seguir.

Se você ainda não o leu, não perca tempo: leia coloque essas obras de arte em prática e ofereça drinks espetaculares aos seus clientes, com moderação.

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