Apogeu, decadência e revitalização: os bares do Centro de São Paulo

⍟ Os bares da região central paulistana são um verdadeiro patrimônio da coquetelaria nacional. Redutos de histórias, drinks e personagens inesquecíveis, viveram tempos de apogeu e decadência. Atualmente, experimentam um intenso, mas recompensador processo de revitalização.

Publicado em 20 de fevereiro de 2017

Quem frequentou o Centro de São Paulo entre as décadas de 1950 e 1970  certamente guarda boas lembranças. Bairros como Bela Vista, Consolação, República, Liberdade, Bom Retiro, Brás, Sé e Santa Cecília representavam o “coração” da cidade. Lá estavam as grandes empresas, hotéis de luxo, bancos, teatros, comércios tradicionais e repartições públicas.

Um movimento que também deu origem a uma infinidade de bares. Desde os mais sofisticados, frequentados por clientes elegantemente vestidos e glamourizados, até os extremamente populares, que se tornaram maioria, ao buscar na chamada “cultura de boteco” suas primeiras experiências na coquetelaria.

A construção do Hotel Hilton, que mais tarde, abrigaria o Bar Capricórnio, um dos pioneiros da alta coquetelaria na região central de São Paulo. O prédio hoje sedia o Tribunal de Justiça do Estado de SP.

REFINADOS E POPULARES

No quesito refinamento, um dos pioneiros foi o Capricórnio, instalado no primeiro hotel de bandeira internacional, o Hilton, na Avenida Ipiranga. Sua carta de clássicos incluía o Old Fashioned, o Alexsander e o Dry Martini. A revolução foi seguida pelo Esplanada e por uma pioneira sistematização da produção de coquetéis. Frequentar esses locais para degustar coquetéis e estar ao lado de personalidades da elite paulistana virou, de fato, um programa de prestígio.

Versão do Rabo de Galo servida no bar Lambe Lambe

Mas foi a vertente popular do movimento que impulsionou de fato o apogeu da região central. Ela teve na cachaça sua primeira matéria-prima. A partir dela se tornaram cultuados drinks como o Rabo de Galo, cuja origem remete à chegada de uma fábrica de vermute italiano a São Paulo.

Ocorre que, ao pesquisar a cultura dos bares da época, os representantes da empresa perceberam que o apreço dos paulistanos pela cachaça era muito maior do que pelo vermute. Então criaram um copo exclusivo para estimular o consumo da mistura das duas bebidas, com a marcação para as doses e fundo reforçado para aguentar o tradicional ritual de batê-lo no balcão após o gole.

Derivan Ferreira de Souza, referência entre os barmen do país e há 40 anos na profissão, lembra que o resultado da combinação foi batizado com o nome de cocktail, termo já consagrado nos EUA para designar a mistura de bebidas. Abrasileirado, ele recebeu sua tradução literal.

De carona na fama do Rabo de Galo, a cachaça também deu sentido a criações simples, como o Bombeirinho (cachaça com groselha) e também o Samba (cachaça com coca-cola), uma adaptação da Cuba Libre.

A FEBRE DAS BATIDAS

As batidas surgiram entre os anos 1950 e 1960, misturando cachaça e frutas tropicais como goiaba, abacaxi e coco. A partir delas, surgiram bares especializados em sua produção na capital, como o Mestre das Batidas, o Rei das Batidas e o Bar das Batidas, mais conhecido como “O C do Padre”. Elas se alastraram por toda a cidade, inclusive nos bares da região do centro.

“Eram vendidas muito mais batidas do que drinks elitizados”, lembra Derivan. Esse comportamento, segundo ele, já apontava a tendência do paladar nacional para os drinks adocicados. A popularização do leite condensado foi um fator importante neste processo e a adesão foi tanta que, nesta época, surgiram concursos de receitas da bebida que eram realizados na Praça Roosevelt, entre as ruas Augusta e Consolação, situado no então pululante Centro de São Paulo.

DECADÊNCIA E REVITALIZAÇÃO

Entre as décadas de 1980 e 1990, porém, veio o baque. Com migração de grandes escritórios para  bairros como Jardins, Brooklin e Pinheiros, o Centro perdeu espaço e seus bares enfrentaram tempos difíceis. O comércio também voltou seus olhos para a Zona Sul e deixou a região central com ares de abandono. Redutos tradicionais como a Sé e República sofreram com prédios degradados, sujeira e marginalização.

Felizmente, nos últimos anos, há um processo de revitalização em curso. E é interessante notar que as novas casas buscam mesclar o que de melhor havia nos primórdios da coquetelaria da região: aliam sofisticação e simplicidade.

Para Rafael Mariachi, mixologista da Pernod Ricard, esse movimento tem trazido novos ares para a coquetelaria paulista. A principal característica dos novos bares dessa região é a qualidade dos drinks e do serviço diferenciado. “Nenhuma grande invenção, mas muito capricho. No fim das contas, é o bom serviço e o atendimento que realmente importam”, diz.

Vamos agora conhecer alguns bares que vem liderando este processo:

LAMBE-LAMBE (Rua Aracaju, 239, Higienópolis)

Em uma época sem internet e smartphones, em que nem todo mundo tinha acesso à rádio e TV, os lambe-lambes comunicavam assuntos importantes, colados nos muros pelas ruas. A ideia do restaurante e bar que levam o mesmo nome é justamente resgatar esta cultura marginalizada de São Paulo. É o que explica o chefe de bar da casa, Edison Lago Júnior, ou Jota R.

“Eu busquei trazer a ideia a cultura de coquetéis marginalizados para um patamar de restaurante da atualidade, classe média, refinando seus ingredientes”, conta o bartender, de 34 anos. Da carta de drinks preparada por ele, há pelo menos seis coquetéis inspirados nas receitas “de boteco”.

Entre os destaques está a Caipirinha preparada com três limões e adoçada com rapadura. Outra boa pedida Rabo de Galo, com o diferencial da defumação com canela no copo. Há, além destes, uma homenagem em forma de releitura ao Caju Amigo, clássico paulista, combinando o doçura do caju com o sabor do gin.

CAJU AMIGO

INGREDIENTES

– 1 caju em compota
– 15ml de suco de limão
– 10ml de xarope de açúcar
– 75ml de cachaça ou gin
– Castanhas de caju flambadas

MODO DE PREPARO

Coloque no copo de caipirinha o caju, o suco de limão, o xarope de açúcar. Com um muddles, esmague os ingredientes, como numa caipirinha. Adicione a cachaça ou gin e misture com o auxílio de uma colher bailarina. Complete o copo com gelo triturado. Finalize guarnecendo com castanhas moídas e flambe.

 

Segundo Jota R., a ideia da carta é fazer com que os visitantes consigam conhecer um pouco da história da capital paulista por meio dos coquetéis e ainda combiná-la com o ambiente do restaurante – tropical, com forte presença de peixes e frutos do mar nos pratos e até um surpreendente aquário de ostras.

“Tanto os drinks clássicos quanto as novas criações estão ganhando força. O Centro está se valorizando bastante e a comunicação entre os barmen e os empresários está sendo mais estreita. Hoje é possível para o bartender dizer o que ele pensa e acha melhor para o bar. Estamos saindo da mesmice”, reforça.

ESPAÇO 13 (Rua Treze de Maio, 978, Bela Vista)

Quando o Espaço 13 nasceu, há três anos, no bairro da Bela Vista, a criação de coquetéis nem passava na cabeça de João Gati, um dos quatro sócios do estabelecimento. O objetivo era combinar três atividades diferentes, mas que faziam parte do mesmo universo: barbearia, tatuagem e bar.

O local ocupa uma casa antiga de madeira, de 1930, o que há de mais clássico em matéria de estilo. Segundo Gati, tem tudo a ver com a tradição que o bairro ostenta. Em princípio o bar da casa se resumia a cervejas artesanais e caipirinhas, mas aos poucos os coquetéis passaram a ser produzidos por lá.

SOLITUDE

INGREDIENTE

– 60ml de Beefeater Gin
– 20ml de redução de hibisco com canela
– 20ml suco de limão tahiti
– 10ml simple syrup
– Albumina a gosto

MODO DE PREPARO

Em um coqueteleira refrigerada, coloque todos os ingredientes. Refrigere a taça. A redução de Hibisco é bem consistente e pode ser utilizada como decoração do drink.

Nota da bartender: “Eu uso um processo diferente para fazer meus sours. A técnica é o Dry Shake ‘reverse’. Eu acredito que assim tenho um melhor resultado”.

 

Não ter os clássicos da coquetelaria na carta  da casa seria quase como não honrá-la. Por isso, Negroni, Bloody Mary e Gin Fizz não saem do cardápio. Por outro lado, há exclusivos como o Kokaine Kustom (rum, limão, sal e café) e o Relax Fashion (Jameson Whiskey, xarope de lavanda e erva-cidreira e suco de limão siciliano).

O visual que remete aos antigos bares também aparece nos detalhes da casa. Os copos são comprados em feiras de antiguidade e muitos são únicos.

“Conseguimos chegar a um nível em que as pessoas vêm para o bar por causa dos drinks que oferecemos. Às vezes elas nem sabem o nome, mas explicam e conversam com a nossa bartender e ela leva todos eles para uma experiência diferente”, explica Gati.

A ideia da bartender Stephanie Marinkovic é trabalhar de uma forma dinâmica, criando coquetéis que ela chama de “rock ‘n roll”.

Conversar e ser parceiro dos clientes, criar bebidas a partir das sugestões deles e surpreendê-los são premissas do atendimento da casa.

“Eles vêm para experimentar coisas novas. Os bartenders precisam sair da caixinha, criar, inovar, testar e errar até acertar”, diz.

HOME BAR SP (Rua Matias Aires, 94, Consolação)

Para dar uma nova cara aos arredores da Rua Augusta e trazer a coquetelaria ao alcance de todos, os proprietários do Home Bar SP tiveram uma ideia: encontrar um bartender com uma visão clínica,  capaz de criar uma carta de drinks convidativos, adequada à proposta da casa.

Foi dessa forma que Tom Oliveira, 35 anos, montou a carta do bar, especializado em hambúrgueres e de ambiente despojado. Seu objetivo  era aproveitar a cerveja que a própria casa já oferecia e atrair o público jovem que a consumia para novas experiências.

“De início, coloquei alguns clássicos, como o Negroni e o Bloody Mary e também criações com a cerveja que eles já estavam acostumados.

Era uma forma de garimpar os clientes que tomavam long neck na calçada e convidá-los a experimentar os drinks da casa”, explica.

DEVIL’S MUSE

INGREDIENTES

– 50ml de licor de ervas alemão
– 20ml de clara de ovo
– 15ml de suco de limão siciliano
– 40ml de cerveja
– 4 dashes de bitter de laranja

MODO DE PREPARO

Misture o licor, clara de ovo, suco de limão siciliano e os dashes de bitter em uma coqueteleira e faça um dry shake. Quando a mistura ficar homogênea, coloque gelo e bata novamente. Coe a mistura duas vezes em uma taça previamente resfriada e finalize a bebida despejando a cerveja por cima.

 

 

Entre eles estavam o Devil’s Muse (cerveja, licor de ervas alemão, clara de ovo, bitter e limão siciliano); e uma releitura do tradicional Boulevardier, com um blend de Bourbon e rum envelhecido em umbarana, mais “caipira”, rebatizado com o sugestivo nome de Boulevardielson.

O retorno foi melhor do que o esperado. Por isso, a próxima carta  será mais ambiciosa e terá 35 drinks, entre eles cinco variações de Gin Tônica, valorizando diferentes notas da bebida. Também inclui drinks com cerveja e outros 12 coquetéis autorais.

“O Baixo Augusta é uma região que está recuperando a importância e atraindo as pessoas aos seus bares. A tendência é melhorar cada vez mais”, acredita.

JIQUITAIA (Rua Antônio Carlos, 268, Consolação)

Inaugurado há cinco anos com a proposta de oferecer comida brasileira tradicional, especialmente em horários comerciais, surpreendeu seus clientes há pouco mais de oito meses, instalando um bar no piso superior. A ideia dos irmãos Carolina e Marcelo Correa Bastos aproveitou o ressurgimento da coquetelaria e a procura por bons bares no Baixo Augusta. E se destacou.

“Hoje as pessoas estão mais dispostas a conhecer o novo, experimentar drinks diferentes. Por isso, quisemos apostar em drinks frescos e cítricos que tivessem a nossa cara”, explica Carolina.

O forte do bar, que tem um cardápio próprio de acompanhamentos, é a cachaça, além da caipirinha e de bebidas já consagradas, como Up-to-date e Gin Tônica.

A caipirinha também é tratada de forma diferenciada. “Todos os processos do preparo são controlados. Nós a preparamos com açúcar em grão para adoçá-la na medida certa e também servimos na temperatura correta.

Nos dedicamos para que seja uma caipirinha de alta qualidade”, conta Felipe Leite, barman da casa.


CACHAÇA SOUR

INGREDIENTES

– 60ml de cachaça
– 25ml de suco de limão tahiti
– 25ml de clara pasteurizada
– 15ml de simple syrup

MODO DE PREPARO

Misture todos os ingredientes com gelo e sirva em uma taça coupé previamente gelada. Finalize o drink com o perfume da casca do limão tahiti.

 

 

 

 

A carta do Jiquitaia contém 12 itens e foi composta com a consultoria do bartender Danilo Nakamura. A ideia é que a equipe tenha controle sobre todas as receitas e mantenha um padrão de serviço. A maior preocupação da casa, segundo os sócios, é o que está dentro do copo.

Por esse motivo, geralmente não vêm acompanhados de guarnição (com exceção dos tradicionais, como o Old Fashioned, por exemplo). São servidos em copos simples, lisos e finos, para tornar o ato de beber mais confortável.

Para Felipe Leite, que se iniciou no ramo aos 17 anos, os clientes dos bares de São Paulo estão cada vez mais exigentes e isso só tem a acrescentar à coquetelaria. O número de bares voltados para drinks de qualidade tem aumentado bastante. Assim como a criatividade e a profissionalização dos bartenders na região.

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