gui ferrari no chivas masters 2019

Gui Ferrari conta detalhes sobre participação no Chivas Masters 2019: “me sinto um vencedor”

⍟ De vencedor brasileiro ao top 3 do mundo no Chivas Masters, o bartender Guilherme Ferrari, do Seen, conta detalhes sobre o campeonato e sua experiência internacional

Publicado em 12 de setembro de 2019, às 16 horas.

Com um drink inspirado no universo da música, o bartender Guilherme Ferrari, do Seen São Paulo, ganhou a etapa nacional da competição no último mês de julho e embarcou recentemente rumo ao Reino Unido, onde levou o Brasil ao top 3 global do Chivas Masters. Com o feito inédito, vieram também experiências inesquecíveis sobre whisky, sabores, técnicas, aromas, terroir e comunidade.

De volta ao Brasil, o profissional conversou com o Clube do Barman sobre os desafios, conquistas e aprendizados na etapa global da competição.

Clube do Barman – Como começou sua paixão por scotch whisky?

Guilherme Ferrari – A paixão pelo scotch whisky veio junto com a profissão. Na minha opinião, é o destilado que mais expressa o conceito de terroir no mundo da coquetelaria. Isso porque é produzido em toda a Escócia e não em apenas uma determinada região do país, como outros destilados. Explorar essas características únicas de cada whisky vale a pena. É uma maneira de exercitar a cabeça e o paladar, quando se pensa desde a matéria prima, região, água,  tempo de maturação e finalização.  Sem falar nos diversos blends possíveis… aí a “brincadeira” fica ainda mais complexa e divertida.

CB – Qual foi sua inspiração para criar o Arpeggio e como você tentou revelar o seu blend através do drink?

GF – A inspiração veio puramente da música e como em diversas áreas da vida é possível fazer uma analogia com ela. Como um master blender e um maestro, um regendo aromas e sabores, e o outro timbres e ritmos. Arpeggio é, assim como na música, um conjunto de sabores e referências que formam um cocktail. Ou um conjunto de notas que formam um acorde. Procurei expressar a visão que eu tenho sobre o mundo da produção e desenvolvimento de bebidas e também de cocktails. Sem deixar de lado meus gostos pessoais, é claro. Afinal, a proposta do campeonato era um blend pessoal. Então utilizei essa licença poética, minha preferência pela categoria de drinks e meu background como músico, comparando ingredientes com timbres de instrumentos, estilo musical e cultura de cocktails. A proposta girou em torno de sintetizar as relações entre master blender com compositor e bartender com músico. O conceito pode parecer complexo, mas o drink é fácil de beber (risos).

CB – Entre os principais roteiros da viagem na fase global, vocês puderam conhecer melhor a região das Highlands e a Strathisla Distillery. O que você destaca de interessante sobre essas visitas?

GF – O interessante das Highlands com certeza foi poder trilhar uma parte de sua área.  Ver o que cresce ali, sua vegetação, os riachos e a geografia do lugar. A gente sempre estuda como o clima, solo, plantas e frutas afetam o produto final, e poder estar ali para literalmente ‘sentir na pele’, me fez entender o porquê do whisky produzido em Speyside ser geralmente leve e mais frutado. A região tem muitos rios e por ali circulam animais silvestres, também – sinal de que há muito alimento para eles, como groselha e zimbro. Tudo isso sem falar das montanhas cobertas pela heather. Então, pude entender de onde vem o toque floral na bebida. Na hora, tudo ficou claro: a água que passa pela vegetação e frutos desce aos rios, e essa água é usada na produção do whisky, carregando aquele terroir inteiro.

Já em Strathisla, o destaque pra mim foi a tradição do lugar. Fora a parte logística, em que é usado maquinário moderno, o processo de moagem, fermentação e destilação ainda é controlado à mão. Eu, particularmente, gosto bastante disso. Dá um toque pessoal e único no produto, longe de ser algo pasteurizado e puramente comercial. Existe a tradição e a paixão naquele lugar. Vale a visita para sentir o cheiro e o calor de toda a produção. Não é sempre que se pode ficar do lado de destiladoras de cobre a todo vapor. Demos sorte de ver um carregamento de malte chegando na destilaria!

Finalistas da etapa global em frente à Strathisla Distillery

CB – Já em Londres, vocês visitaram dois bares: o Happiness Forgets (local em que o embaixador global de Chivas, Rhys Wilson, já foi bar manager) e o Tayer Elementary (do Alex Kratena e da Monica Berg). No que essas experiências enriqueceram a competição? Você aprendeu técnicas e processos novos que pretende empregar no seu bar?

GF – Essas visitas serviram para entender que muitas vezes menos é mais, no caso do Happiness Forgets, e que se for ingressar numa onda mais técnica e altamente precisa como a do Tayer, é bom ter um propósito antes de sair clarificando a caipirinha (risos). Quero dizer, se for utilizar técnicas e equipamentos por pura exibição e não acrescentar nada ao drink, não tem muito sentido fazer. Os dois bares trabalham de maneiras bem diferentes, mas com um propósito em comum: proporcionar o melhor momento possível a quem visita o lugar. E isso não significa puxar o saco do cliente, mas entender a própria demanda, o próprio ambiente e traduzir isso em serviço e cardápio.

No Tayer é constante o uso de RotoVap, fermentações e outros métodos avançados. Porém, quando se lê o cardápio, é bem simples saber o que pedir. Ninguém merece ficar pesquisando no google nomes de ingredientes ou técnicas… O cliente quer se sentar e ter um bom momento. E isso, com certeza, a Monica e o Alex fazem com perfeição. Já no Happiness, a coisa é mais simples em relação à produção atrás do balcão, pois o ambiente é pequeno e não dá pra ter um ‘laboratório maluco’. No momento em que se entra, já é possível sentir a atmosfera de um lugar propício para se fazer amigos, celebrar e fazer parte de uma comunidade. A carta de drinks é simples de entender e decidir o que beber. Tudo isso ajudou na competição. Sempre tive em mente a ideia de simplificar as coisas o máximo que eu podia e sintetizar as propostas de maneira clara e objetiva.

“Se você não pode explicar em cinco minutos de uma maneira que sua avó entenda, talvez ainda tenha muitas arestas pra aparar”

CB – Qual das provas globais foram mais desafiadoras para você? Por quê?

GF – Com certeza foi a primeira, em que o desafio era desenvolver um highball. A prova consistia em fazer uma degustação às cegas dos whiskies, de maneira que o rótulo não influenciasse na decisão. Em seguida, tive que desenvolver minha própria soda, utilizando produtos naturais colhidos nas Highlands. A principal dificuldade foi saber o que havia à disposição, já que é complicado saber o nome de frutas e plantas de outro lugar e em outro idioma. Mas também falou alto o fato de ser o meu primeiro desafio, então deu mais ansiedade e nervosismo. Somando tudo isso a um belo ‘jet lag‘ dá pra ter noção do tamanho do rojão (risos).

Procurei manter as coisas o mais simples possível. Escolhi o whisky que me parecia mais leve, floral e frutado, e fiz uma soda com groselha vermelha e negra, tintura de cedro e ácido cítrico com açúcar. Então, dentro do desafio ‘Your tradition’, procurei exaltar o que vi daquelas terras e o que ouvi das pessoas de lá.  O drink ganhou o nome de ‘Hill Man’, tendo como inspiração o rapaz que nos levou pelas Highlands e que sabia tudo de lá, ensinamentos passados de geração em geração.  Tradição mesmo! Fiquei sabendo depois do desafio que o whisky que escolhi foi o Strathisla 12, principal single malt no blend de Chivas Regal. Então acho que acertei na mosca em relação ‘conceito x drink‘ e escolha do whisky, já que o Strathisla tem tudo o que o terroir oferece e casa bem no conceito.

Gui Ferrari e o ‘Hill Man’ highball criado por ele na competição

CB – Qual foi a sensação de ter sido o primeiro bartender a levar o país até o top 3 do Chivas Masters?

GF – Das melhores possíveis, durante e depois! Recebi muitas mensagens de apoio e de gente dizendo que tinha orgulho do ocorrido. A maioria sabe como as competições globais são difíceis pra um sul-americano. Hoje me sinto assim, orgulhoso de poder representar a categoria em um país com tanta gente boa e esforçada que a cada dia aprende mais. Sempre tive como objetivo representar bem o barman brasileiro diante da marca para que projetos como o Chivas Masters e outros continuem acontecendo aqui. Ganhar ou perder é decorrente de muitos fatores. Então estar entre os três melhores foi muito especial pra mim, foi como um piloto de F1 conseguir o primeiro pódio. Não ganhou, mas os pontos conquistados foram importantes. De qualquer maneira me sinto um vencedor. Que venham mais brasileiros nas finais globais. E sim, pretendo voltar!

Finalistas top 3: Guilherme Ferrari, Jiyoon Baek (Singapura) e Sebastian Cichowlas (Holanda)

CB – Do ponto de vista do networking, quais conexões e aprendizados importantes você levou da experiência global?

GF – Creio que isso é tudo nesses eventos, até porque é uma oportunidade única de trocar figurinhas com profissionais de diferentes mercados e entender como as coisas funcionam por lá. As conexões que são formadas durante a semana podem render muitos frutos, pessoais ou comunitários. Por exemplo, um guest shift internacional ou um jornalista especializado que começa a olhar pro mercado brasileiro. Daí a importância de fazer um bom trabalho. Entre aprendizados, considero o mais importante pra mim a quebra de ideias de que é preciso ter um milhão de rótulos no bar e fazer drinks doidos pra poder almejar o The World’s 50 Best Bars. Dá pra ser melhor sendo sincero com o próprio projeto e sabendo comunicar isso pro cliente e pra indústria, claro. Tudo se resume em como você se relaciona com o mercado e com a comunidade.

CB – Agora, de volta ao Brasil, o que mudou em sua percepção sobre coquetelaria e seu posicionamento como profissional?

GF – Em relação a percepção da coquetelaria, posso dizer que pouco mudou pra mim, mas esse pouco foi essencial. Mudou minha maneira de encarar os detalhes nos cocktails e entender o que é intrínseco neles. Ou seja, questionar porquê ele existe, pra quem e onde ele existe. É realmente fazer as coisas de caso pensado, ao invés de só fazer algo bom de beber, e isso inclui tudo: custo, marca, proposta, cliente… O posicionamento como profissional acaba mudando quando você vira referência pra alguém. A gente sempre tenta fazer o melhor, é claro, mas quando tem alguém começando e tem você como exemplo a seguir, é preciso adotar uma postura mais formal. Ou até quando uma marca procura pelo seu serviço. Não é preciso mudar o jeito de falar ou trabalhar, só a maneira de como e o que se comunica pro mercado e pro profissional que acompanha seu trabalho. É importante saber seu papel dentro e fora do bar.

Gui Ferrari apresentando o cocktail ‘Vinícius’ ao jurados. O drink criado por ele na penúltima etapa da competição

CB – Quais dicas você daria para os bartenders que desejam participar da competição no ano que vem?

GF – Acho que a principal dica é ler e entender o regulamento. Um ótimo drink fora de contexto acaba não passando nas peneiras. Outro ponto é estudar a marca de fato, não só falar que o produto é  bom e maravilhoso – isso a marca já sabe (risos). Procure explorar pontos na história da marca ou como sua criação valoriza o produto e seja criativo no storytelling. Deguste o produto! Peça ajuda também. No Seen, tive a sorte de contar com o Neri Bonacina (sommelier embaixador do Alentejo no Brasil) e com um time experiente no bar. É bem importante ter diversas opiniões. Ninguém vai escolher ingredientes pra você. Confie no seu trabalho, mas não ao ponto de ficar cego pelo próprio ego.

Se passar às finais, pratique muito sua interpretação de texto e fala, mas não seja um robô repetindo frases decoradas. Pratiquei muito com o cronômetro, e apresentei diversas vezes pro time. Pense grande também, se você ganhar é bom estar com o inglês em dia. Na hora de se apresentar, seja interessante e respire… Não se esqueça de respirar!

Provando a máxima de que ‘sharing is caring‘ (ou compartilhar é cuidar), Gui Ferrari revela abaixo a receita do Arpeggio, cocktail que o levou à final global do Chivas Masters 2019. Para prová-lo, basta fazer uma visita ao Seen São Paulo (Alameda Santos, 1437 – Jardim Paulista, São Paulo/SP):

drink arpeggio e uma garrafa de chivas regal 12Arpeggio

INGREDIENTES

60 ml de Chivas Regal 12
15 ml de licor de framboesa
5 ml de licor de cognac com ervas
1 dash de aromatic bitters
1 pitada de sal

MODO DE PREPARO

Em um mixing glass com gelo, misture todos os ingredientes por cerca de dez segundos. Em seguida, faça uma coagem simples para um copo baixo sem gelo e guarneça com um twist de limão siciliano.
coqueteleira p

CLUBE DO BARMAN

Plataforma educacional sobre coquetelaria da Pernod Ricard Brasil. Aqui você encontra tudo o que precisa saber para ser tornar um bom profissional. Coquetelaria de qualidade, onde o que mais importa é a venda de produtos de alto padrão ao consumidor final e a opinião que vale é a do Mercado.

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