⍟ Saiba tudo o que é preciso para acertar na hora de juntar drinks com comida
Combinar alimentos e bebidas é prática bastante antiga nos bares. Já na época dos saloons, os proprietários dos estabelecimentos perceberam que a estratégia de oferecer gratuitamente algo que acompanhasse a bebida prolongava a permanência do cliente no bar e aumentava o consumo de bebidas. Foi nesta época que criou-se o costume de oferecer petiscos salgados aos clientes, como amendoins torrados, já que o sal cria um estímulo à salivação, aumentando a sensação de sede. Desde aquela época, a harmonização evoluiu muito e mudou de propósito, de modo que a sensação de sede já não é mais o seu foco principal.
A ciência por trás das combinações de aromas e sabores há muito tempo deixou de ser uma exclusividade da cozinha e, mais do que nunca, se mostra necessária para que o profissional de bar compreenda as propriedades dos insumos que utiliza no bar e como os sabores se comportam entre si. Adquirir esta competência não apenas possibilita um melhor entendimento sobre a construção de cocktails, como vimos em outra matéria recente, mas, sobretudo, como oferecer um drink que harmonize com uma refeição, tornando a experiência de consumo mais completa.
O QUE É HARMONIZAR
É combinar um cocktail e um outro alimento, normalmente sólido e às vezes líquido, servido em conjunto com ele, seja em uma tábua, um prato, na beirada do pires ou até mesmo na borda do copo, cumprindo ao mesmo tempo a função de guarnição e de par. Mais do que isto, o par (que costumamos chamar de pairing) pode ser feito com petiscos e até mesmo refeições completas. Fazer o pairing de refeições com vinhos já é algo comum, e a ciência por trás da enologia também deve ser usada a favor do profissional de bar na hora de oferecer drinks junto com refeições.
Basicamente, essa harmonização pode ser feita de quatro maneiras diferentes e possuem também diferentes funções. Na hora de fazer o pairing com um cocktail, deve-se escolher uma ou mais funções, com muito cuidado para não exagerar. Veja estes quatro tipos a seguir:
HARMONIZAÇÃO POR EQUILÍBRIO
É a escolha certa quando a intenção é criar uma complementaridade que não faça contraposição aos ingredientes usados na bebida ou na comida. A intensidade do alimento é semelhante à dos ingredientes utilizados dentro do copo, e a ideia é adicionar sabores e sensações. Por exemplo, quando um sanduíche de carne, bacon e pickles é servido em conjunto com um Bloody Mary, cria-se uma complementaridade sem provocar o contraste doce/salgado. Ambos tem sabores fortes, mas ambos se equilibram.
Esta é a escolha ideal quando a intenção é aumentar ainda mais a gama de sensações de sabor em uma mesma direção, como se o que está no copo fosse uma extensão da experiência do prato, e vice-versa. Mais do que isso, o drink e o prato completam entre si, como numa conversa.
Como a chave deste tipo de harmonização é equilibrar, é preciso sempre trabalhar para que aquilo que for adicionado à combinação busque reestabelecer o equilíbrio de sabores e sensações. Um alimento mais gorduroso encontra seu equilíbrio quando combinado a um drink de caráter mais ácido, como no exemplo citado acima. Alimentos mais ácidos são equilibrados com drinks mais doces.
Pratos com sabores delicados devem ser acompanhados por drinks igualmente sutis. Pratos fortes, com drinks mais potentes. Pratos encorpados, com drinks encorpados, pratos leves, com drinks leves.
Relembre a receita do Bloody Mary de Nathiaga, vencedora da primeira edição do Bar Aberto:
BLOODY MARY
INGREDIENTES
50ml de Absolut Vodka Tradicional
100ml de suco de tomate
15ml de molho inglês
15ml de suco de limão siciliano
2 gotas de pimenta tabasco
1 pitada de sal
1 talo de salsão
1 azeitona
MODO DE PREPARO
Em um copo alto, adicione a dose de Absolut Vodka, suco de tomate, molho inglês, suco de limão siciliano, gotas de pimenta tabasco e sal. Mexa para incorporar. Adicione gelo e finalize com um talo de salsão e uma azeitona.
HARMONIZAÇÃO POR SEMELHANÇA
Quando um ingrediente do cocktail ou no prato possui uma característica específica, mesmo que sutil, e o pairing serve para reforçar este sabor. Pode estar relacionado a qualquer dos cinco sabores, sejam eles ácidos, salgados, doces, amargos ou umami. Por exemplo, um Irish Coffee produzido com Jameson Caskmates, irish whiskey que possui notas de chocolate e café, pode ter este sabor amplificado quando combinado com chocolate.
Isto faz com que uma ou mais características já presentes na bebida ou no alimento tomem o primeiro plano nas camadas de sabor, sejam a tônica da experiência, criando persistência no retrogosto ou fazendo um sabor deixar a sutileza e se tornar uma ‘âncora’ de sabor para fazer com que outros se tornem um complemento harmônico. Em um prato de carne com molho de maracujá, que tal um drink de maracujá? Em um arroz temperado com manjericão, sirva um drink com manjericão. Isto faz com que o prato converse de forma perfeita com a bebida.
HARMONIZAÇÃO POR CONTRASTE
Aqui a intenção é realmente provocar um desiquilíbrio de sabores, fazendo com que pairing e bebida façam uma espécie de duelo no paladar do consumidor, gerando um ciclo de consumo. É o clássico amendoim da cerveja: a cerveja é refrescante e amarga; sua refrescância acaba com a sede, e o amargor provoca fome. Já o amendoim provoca a saciedade da fome e o sal presente nele provoca sede.
Esta harmonização pode ser reproduzida em cocktails e pairings quando combinados com diversas sensações contrapostas, como acidez e doçura, doçura e amargor, leveza e corpo robusto, refrescância e picância, etc. Quando um alimento ou bebida tem um extremo de sabor, corpo ou acidez, seu complemento vai para o outro extremo.
Esta combinação nem sempre dá certo, então é importante testar antes de colocar em prática.
No quarto episódio da primeira edição do Bar Aberto, Nathiaga nfaturou o melhor drink no desafio de Harmonização, produzindo uma versão do Screwdriver, para harmonizar com Bruschetta de Queijo de Cabra preparada pela chef Elisa Fernandes, optando por um cocktail com acidez, doce e frutado para contrastar com a gordura e o salgado da bruschetta. O twist fica por conta da substituição da vodka Tradicional por Absolut Apeach e a troca da laranja pela variedade Bahia, mais doce e aromática. Para compensar a acidez da laranja, o garnish é uma fatia de grapefruit. Drink clássico e refrescante, de complexidade média. Confira a receita:
SCREW DRIVER
INGREDIENTES
50ml Absolut Apeach
100ml Suco de laranja bahia
4 Lances de Angostura Orange
1 Fatia de grapefruit
MODO DE PREPARO
Em um copo alto com gelo, adicione a dose de Absolut Apeach e suco de laranja.
Adicione os lances de Angostura Orange e mexa levemente. Finalize com a fatia de grapefruit.
HARMONIZAÇÃO POR CORTE
É quando o pairing ou o drink são capazes de cortar, anular ou tornar um sabor mais ameno no seu complemento. Para compreender melhor, é este processo que acontece quando se come chocolate ao leite e em seguida se bebe um copo de refrigerante. O chocolate deprime as papilas gustativas para as sensações doces menos fortes que as provocadas pelo chocolate, e quando se dá um gole no refrigerante, temos a sensação de que ele não possui açúcar.
Na coquetelaria, um exemplo clássico no universo das bebidas é o ritual de consumo da tequila. O limão e o sal provocam uma base forte do sabor salgado e ácido, fazendo com que a doçura da tequila fique ressaltada no momento do shot, cortando o ‘punch‘ provocado pela força da bebida. Mesmo em cocktails mais elaborados com tequila, o sal continua sendo um recurso para fazer um ligeiro corte nesta percepção alcoólica.
Os sabores amargos cortam o sabor gorduroso e uma bebida gaseificada corta a cremosidade, como, por exemplo, quando junto ao café espresso é servido um pequeno copo de água com gás. A intenção desta água é remover a sensação de cremosidade do gole anterior, ‘limpando a língua’ para um novo gole com uma percepção dos sabores do café amplificada. Esta água com gás deve ser servida em temperatura ambiente, para não deprimir a percepção das papilas gustativas com baixa temperatura. A harmonização por corte serve tanto da bebida para o pairing quanto do pairing para a bebida, a variar de acordo com a intenção de quem cria.
CUIDADOS COM O PAIRING DE CORTE
Utilizar o corte de sabores é perigoso pois um pairing desta categoria tem a capacidade de anular o sabor de um ingrediente do cocktail, e isto raramente é desejado, já que um ingrediente no copo é colocado ali para ser sentido. Ele deve ser utilizado com muita cautela pois um ingrediente que não deve ser percebido pelo paladar nem deveria estar no copo, dado que tem um custo. O corte deve ser utilizado apenas caso não haja outra possibilidade. Em campeonatos, a ocultação de sabores feita por corte pode até mesmo provocar perda de pontuação.
Saiba como preparar e oferecer drinks de acordo com as preferências pessoais dos clientes: