dois copos de drinks tipo highballs

A hora e a vez dos highballs: os irmãos do Gin Tônica entram em cena

⍟ Os ventos sopram trazendo novas tendências. Assim como arrastou da Espanha a pesada taça borgogne com o Gin Tônica de roupa nova, que tem sido o queridinho do paladar do novo bebedor nos últimos anos, agora começa a trazer de conceituados bares internacionais outros velhos conhecidos nossos da mesma família de drinks do G&T: os highballs.

É verdade que, se puxarmos da memória, nos lembraremos do ‘antigo’ Gin Tônica. Um copo longo, gin, gelo e água tônica, ou seja, uma bebida carbonatada. Neste novo movimento vemos novamente um retorno a esta simplicidade, embora essa simplicidade não signifique nem de longe desleixo ou falta de cuidado, senão uma oportunidade de fazer do simples algo brilhante. Os highballs desembarcam no Brasil com um novo conceito, mas bem reconhecíveis. A taça borgogne dos Gin Tônicas fica no armário e novamente dá lugar ao copo longo; o drink tem uma estrutura simples e distinta. Se voltássemos no tempo, aos anos 70 ou 80, com um highball destes que está chegando aos poucos no mercado brasileiro e oferecêssemos a um bebedor de drinks da época, certamente seria reconhecido na hora: “Ora, mas isso é um highball!”.

HIGHBALL?

É dito que o nome faz referência às antigas locomotivas. Para colocar a máquina a ‘todo o vapor’ era preciso aumentar a pressão da caldeira. O manômetro, equipamento usado justamente para mostrar a pressão interna da caldeira, exibiria seu marcador de pressão (uma bolinha), no alto. Daí highball (bola alta).

Locomotivas, pressão alta nas caldeiras, líquido borbulhante e vagões-restaurante. A origem provável? Nunca saberemos.

Também é possível intuir que, se esta lenda for verdadeira, existe uma relação entre as bolhas do drink com uma caldeira de água fervente. Se esta origem do nome é verdadeira? Não sabemos. Mas faz algum sentido.

HISTÓRIA

COM SCOTCH PRA MIM – O ator inglês E. J. Ratcliffe com o tradicional kilt escocês. Como pedir outra coisa senão um scotch? Pena que não tinha.

A enciclopédia ambulante da coquetelaria, David Wondrich, afirma no livro Imbibe! que “em 1900, o Scotch Highball era a bebida mais elegante da América”.  Quando o filho nasce bonito todo mundo quer ser o pai, mas a história que mais se conta é que, em 1894, Patrick Duffy, ex-chefe de um bar de Manhattan, teria recebido um pedido nunca antes ouvido, da boca do ator britânico E. J. Ratcliffe, que visitava o estabelecimento com alguma frequência: “Whisky and soda“.

Embora Duffy não tivesse uma mísera garrafa de whisky no bar para atender a solicitação do astro, o pedido ressoou em sua cabeça como uma ideia genial. Ora, os Estados Unidos tinham seu próprio whiskey, não era algo tão comum mandar vir do outro lado do oceano algo que podia ser encontrando logo ali.

Alguns meses depois, Duffy, tendo conseguido um fornecedor de scotch, como conta em artigo publicado em 25 de outubro de 1927 no New York Times, recebeu algumas caixas da bebida em seu bar e vendeu alguns poucos “Scotch Highballs“. O nome teria sido dado pelo próprio Raticliffe, que se não é o pai da criança, é um deles, juntamente com Duffy.

ORA, ORA, ORA – Se não é um highball esta receita de Whisky Rickey na página 171 do Manual do Bartender de Harry Johnson, de 1882

É certo que, antes disso, já existiam os rickeys, que consistiam justamente na adição de soda (água com gás) a um destilado e um saborizante.

Os rickeys podem ser vistos em livros publicados antes mesmo do causo de Duffy. No Harry Johnson’s New and Improved Bartender’s Manual, de 1882, já figuravam dois deles: o Gin Rickey e o Whiskey Rickey.

Com o processo de americanização dos países europeus após a Segunda Guerra mundial, o highball rapidamente se espalhou por diversos outros países, tornando-se um símbolo do modo de vida americano. O whisky and soda é citado várias vezes em uma música da época que voltou à tona e ficou novamente muito famosa da última década, PA PANAMERICANO, que foi remixado por Yolanda Be Cool. A música original, Tu vuò fa l’americano, foi escrita em 1956, por Renato Carosone, e faz uma crítica à adoção dos costumes norte-americanos pelos italianos. Relembre a música e veja a tradução de um trecho feita pelo italiano de plantão do Clube:

Você veste calça com logomarca no traseiro, usa um boné com a aba levantada, passa todo cheio de marra por Toledo pagando de machão pra que fiquem olhando.

Você quer pagar de americano, mericano, mericano. Cara, pra que isso? Você quer andar na moda, mas se bebe “whisky and soda” depois fica por aí passando mal

Você dança rock’n’roll e joga basebol, mas o dinheiro para o Camel quem é que lhe dá? A carteira da mamãe.

Você quer pagar de americano, Mericano, mericano, mas nasceu in ‘Italy’. E aí, cara, nada a declarar? Okay, então, napolitano! Você quer pagar de americano, quer pagar de americano

(…)

Whisky and soda e rock’nroll. Whisky and soda e rock’nroll. Whisky and soda e rock’nroll!

DEFINIÇÃO

Já dissemos mais acima, mas é bom relembrar a estrutura de um highball: uma dose de destilado em um copo longo com gelo, completado com uma bebida carbonatada (que aqui conhecemos como refrigerante). Uma guarnição é esperada mas não essencial. Só. O grande brilho do drink em meio a toda essa simplicidade está na escolha acertada dos dois elementos principais, ou seja, o destilado e o mixer.

passos da preparação dos drinks highballsUm drink extremamente democrático que atende todos os gostos e abriga uma infinita gama de possibilidades.

Exercício rápido:

Consideremos alguns dos principais destilados. Vodka, whisky, rum, gin, cachaça.

Combinemos cada um deles com refrigerante de cola e uma rodela de limão.

Aqui temos 5 diferentes highballs:

Gin: Cubata
Cachaça: Samba em Berlim
Vodka: Vodka & Coke
Whisky: Whisky and Coke
Rum: Cuba Libre

Troque o refrigerante de cola por soda limonada (água carbonatada + suco de limão) e teremos mais 5 highballs:

Gin: Gin Rickey
Cachaça: Porradinha
Vodka: Mule ou Vodka, Lime & Soda
Whisky: 7&7
Rum: Mojito (guarnecido com hortelã)

E assim por diante.

Se o número de highballs com ingredientes simples como estes pode ser multiplicado de forma quase infinita, quantos mais será possível fazer com mixers carbonatados artesanais e destilados premium e superpremium?

HIGHBALL OLD SCHOOL

Você já esbarrou com diversos highballs por aí. Além dos já citados Mojito, Gin Tônica, Cuba Libre, 7&7, também é do nosso repertório o Hi-Fi (vodka com Fanta), Moscow Mule (vodka com ginger beer). A lista é grande. Por serem muito fáceis de fazer, são conhecidos por praticamente todos os bebedores, até mesmo aqueles que não prestam a mínima atenção à coquetelaria.

Confesse, caro bartender. No dia de folga, quem de nós, olhando para os dois lados, livre de olhares julgadores, não verteu no long drink, sobre um destilado e gelo, aquela bebida gaseificada preta feita com extrato de noz de cola e xarope de milho estupidamente gelada e mandou para dentro com a sensação de dever cumprido? Que bálsamo reconfortante resolver em poucos passos para si mesmo um desejo tão simples de ser atendido. Mas não é tão fácil tornar algo assim vendável.

ESSE DIA FOI LOUCO – E, para não dizer que todo highball é rápido para se fazer, esse levou uma hora. O maior Cuba Libre da história, feito em Havana durante o 12º Rally Pan Americano de coquetelaria da International Bartenders’ Association, em 26 de agosto de 2018. 500 litros de Havana Club, 200 litros de Tu Cola e um dash de suco de limão.

SIMPLES, MAS NÃO SIMPLÓRIO

Não pense que o highball chega aos balcões dos bares mais conceituados do mundo com ar simplório, como nos drinks de roda de amigos bebendo na praça. Para que ele se tornasse uma nova tendência, passou por muito estudo antes de ser colocado em circulação sob os holofotes da alta coquetelaria. Não que estes highballs mais comuns devam ser lançados na pia para dar lugar a versões ‘gourmetizadas‘, mas agora, sem dúvidas, contam com parentes mais refinados e carregados de conceito, que juntamente a estas receitas e métodos de preparo já consagrados, fazem frente à nova tendência. Para que o novo highball chegasse onde chegou, passou uma boa temporada no Japão.

HAIBORU

O highball vem novamente como tendência usando kimono, com movimentos fortes e precisos, mas dominando a sutileza do haikai e do sumiê. Ora, certos detalhes nas coisas simples só podem ser percebidos por olhares mais atentos. E nisto a cultura japonesa tem mestrado.

Tendo passado por balcões onde impera uma precisão de agência espacial, junto de técnicas que parecem ter saído de alguma arte marcial milenar, aliado a métodos de produção que parecem — e foram — preservados como num invólucro por milênios, o highball foi dotado desta nota oriental, tanto na escolha dos ingredientes quanto no preparo.

Berço de grandes tendências da coquetelaria contemporânea, o Japão tem sido um grande exportador de técnicas de preparo de drinks, escolha e manufatura de ingredientes, mise en place, mise en scene, manuseio de gelo e utensílios, criando um universo à parte que chamamos de japanese style. O highball tem um importância tão grande no cenário da coquetelaria japonesa que podemos colocá-lo no mesmo patamar de técnicas como o hardshake de Kazuo Uyeda, o gelo esculpido em diamante de Hidetsugu Ueno e o shake com apenas uma pedra grande de gelo na coqueteleira.

CARACTERÍSTICAS DO HIGHBALL JAPANESE STYLE

Observando o que acontece do outro lado do mundo é possível absorver alguns conceitos capazes de conferir ao highball traços de alta coquetelaria, dando uma nova roupagem ao drinkAlie estas práticas à coquetelaria brasileira para dar um upgrade nos clássicos e para criar novos highballs únicos e vendáveis:

• RESFRIAMENTO DO SISTEMA – Uma grande preocupação da coquetelaria japonesa é manter o sistema bastante resfriado para a produção do drink, isto é, gelar todos os utensílios e copos antes de preparar o drink. Isso já é uma prática nossa em drinks batidos, mas ainda é um diferencial quando o assunto é drink montado em copo long drink. Mesmo o gelo utilizado no resfriamento do copo é de qualidade. Coloque-o no copo e resfrie mexendo-o, cuidando de coar o líquido após o resfriamento. Se possível, descarte esse gelo e troque-o por um novo, também de qualidade.

• GLASSWARE DE QUALIDADE – Copo longo, okay. Todos já têm em mente como é um long drink. O diferencial aqui é buscar opções que sejam mais do que um tubo de vidro. Materiais mais nobres como cristal, enfeites elegantes como filetes dourados e até mesmo copos mais trabalhados agregam valor à bebida. O glassware, diga-se de passagem, deveria ser um ponto de atenção em qualquer bar, para qualquer drink. Imagine a diferença entre tomar chá em um copinho de plástico e em uma xícara de porcelana chinesa do período ming. É semelhante a isso, embora de forma mais sutil.

Uma única pedra longa e retangular de gelo cristalino para um highball. Durabilidade, beleza, qualidade. (Foto: Divulgação Ice4Pros)

• GELO DE QUALIDADE – Já estamos há anos luz do velho gelo com furinho no meio. Os melhores bares do país já compreenderam há tempos a importância do gelo cristalino. Transparência, pureza e durabilidade são um grande diferencial que agrega valor tanto na apresentação quanto na qualidade do drink e na experiência de consumo. E não é diferente quando falamos de highball. Menos e melhores pedras de gelo. Há quem aposte em apenas uma pedra grande e longa.

Hoje ele pode ser produzido no estabelecimento com alguma disciplina ou comprado pronto de fábricas que têm se aperfeiçoado constantemente na produção de gelo transparente.

Usá-lo até pode aumentar um pouco o valor da ficha técnica, mas isso pode ser revertido em um maior ticket médio de consumo.

• BEBIDA CARBONATADA – Valorizar um highball é investir na qualidade dos outros dois ingredientes, além do gelo. Abundam receitas e técnicas de preparo de refrigerantes artesanais, desde os gaseificados no sifão àqueles fermentados não-alcoólicos. Aqui você pode conferir como é feito o preparo de água tônica artesanal e abaixo você pode conferir como fazer um refrigerante artesanal com fermentação natural. Essas são apenas duas das muitas possibilidades. Com ingredientes artesanais você valoriza o drink não apenas porque está usando um produto feito por mãos humanas, mas porque isto abre uma grande gama de opções, já que é possível produzir refrigerantes com sabores que não podem ser encontrados em produtos industrializados.

• DESTILADO – Um destilado e um refrigerante. Variações quase infinitas, como vimos acima. O leque de possibilidade se torna ainda maior quando são utilizados os diversos tipos de destilado, além da vodka. Para se ter uma ideia, os highballs mais consumidos entre os japoneses são preparados com whisky. Compreender como as características de sabor das bebidas envelhecidas podem somar à receita e, apostar em bebidas premium e super premium, são insights que, mais uma vez, podem até aumentar o valor do drink na ficha técnica, mas agregam um valor inestimável ao cocktail, isso será revertido em um maior ticket de consumo.

drink golden royal highball
É DISSO QUE ESTAMOS FALANDO – Golden Royal Highball: • 50ml Chivas XV • 50ml Lillet • 40ml Club Soda • 3 dashes de Angostura Orange Bitters. Montado, com gelo cristalino, finalizado com zest de laranja e folha de ouro.

• PRECISÃO – Medir cuidadosamente cada ingrediente faz parte do mise en scene da coquetelaria japonesa. Isso faz parte da reiteração do conceito de excelência na produção e também do próprio conceito de preparo, que dá muito mais destaque aos detalhes do que à velocidade, em contraste à técnica americana. Mesmo que o highball seja um cocktail com apenas um ingrediente medido, usar cuidadosamente o dosador faz toda a diferença na apresentação. O free pouring que nos perdoe, mas aqui o jigger é fundamental.

• MISE EN SCENE – Não há problema algum preparar Mojitos em série de forma rápida e descontraída em um bar movimentado, em alusão ao serviço executado no seu bar de origem, a Bodeguita del Medio. Mas o conceito japonês é intimista. Exclusivo. Em frente ao cliente. Leves e precisos, quase como que numa cerimônia do chá, os movimentos ensaiados de um sutil working flair fazem com que um drink simples como o highball pareça uma obra-prima saindo das mãos do artista.

Adotar estas características ou ser fiel a métodos de preparo de highballs consagrados são dois caminhos são capazes de surtir um grande efeito nas inserção deste drink nos cardápios. É chegada a hora de investir nos highballs. Vai começar por onde? Mãos à obra.

Já que falamos sobre o mojito da Bodeguita del Medio, relembre como ele é preparado no bar onde nasceu:

Como se faz o Mojito original da Bodeguita del Medio

coqueteleira p

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