⍟ O período de proibição de bebidas alcoólicas nos Estados Unidos, conhecido como Lei Seca ou Prohibition (1920-1933) é um tema complexo e histórico, que viveu diversas fases antes e depois da regulamentação propriamente dita. Hoje, inclusive, ele pode ser relacionado com as bases do conceito do consumo responsável.
O famoso hiato ocorreu entre o século XIX e início do século XX, em que os norte-americanos viram ser implacavelmente reguladas a produção e comercialização de bebidas com nível elevado de álcool em sua composição.
A defesa para a proibição completa baseava-se na ideia de que um país abstêmio poderia ter maior controle sobre questões morais, como violência, criminalidade em geral e aumento de disposição para o trabalho. A teoria agradava a população cristã fundamentalista, que há longos anos classificava como imoral o consumo excessivo de álcool; aos então recém-criados “Grupos de Temperança”, que se identificavam como defensores dos interesses da sociedade; e principalmente os chamados puritanos, que associavam a bebida ao “mal”.
Uma matéria publicada na revista Time trouxe um dado impressionante: o consumo de bebida de alto teor alcoólico per capita do americano em 1830 era de cerca de 1,7 garrafas por SEMANA.
Os movimentos de temperança, liderados por protestantes e progressistas, ganharam mais força nesta época. Começava a marginalização social dos consumidores moderados de álcool e dos locais de consumo, que passaram a ser associados com antros de criminalidade. Até o conceito de “maternidade verdadeira” das mulheres foi colocado em cheque, apontando os prejuízos do álcool às mulheres, porém associando-o como algo elegante se consumido por homens. Até mesmo crianças foram utilizadas na propaganda anti-álcool.
CERCO FECHADO
Assim, após um breve relaxamento durante a Guerra Civil (1861–1865) o conceito de banimento de bebidas se impôs em definitivo. Era fundado o Partido da Proibição.
Sua primeira grande vitória veio em 1881, quando o estado do Kansas alterou sua constituição e foi o primeiro a impor a proibição total de fabricação e consumo de bebidas.
A decisão levou o debate a outros estados e, em uma tentativa emergencial, as empresas de bebidas ainda tentavam financiar alguns estabelecimentos, os chamados Saloons, contratando com exclusividade e chegando até a oferecer comida de graça para que os clientes tivessem mais sede.
Mas a maré estava realmente adversa: logo surgiu também a Liga Anti-Saloon para se alinhar às fileiras daquele conglomerado formado principalmente por denominações protestantes, que tinham seus representantes em cargos políticos e pressionavam cada vez mais os governantes pelo veto.
Apenas os católicos, os episcopais e os luteranos alemães eram contrários a esta postura. Acreditavam que a definição de valores morais não era uma competência do Estado e que a proibição feriria leis litúrgicas que exigiam o uso de vinho em suas celebrações.
A queda de braço seguiu, mas aos poucos emendas constitucionais passaram a ser promulgadas em favor da causa, dificultando cada vez mais a comercialização do álcool. Gradualmente os estados passaram a proibir sua produção. Aqueles que não a proibiram, enfrentavam altas taxas.
O desfecho já parecia inevitável e o ano de 1916 foi marcado pela queima de estoques de armazéns, o que possibilitou que famílias com boa reserva financeira adquirissem grandes estoques e montassem suas adegas particulares.
Enfim, em janeiro de 1919, os proibicionistas conseguiram a vitória definitiva, quando a 18º Emenda constitucional foi assinada por 36 dos 48 estados americanos.
Em vigor a partir de janeiro do ano seguinte, a lei assegurava o banimento da produção, comercialização, armazenamento e importação de bebidas alcoólicas. Era o início da Lei Seca.
SURGEM OS SPEAKEASIES
A Lei Seca era rígida, mas não incidia diretamente sobre o ato de consumir. Por isso, bares escondidos (os speakeasies, ‘fale baixo’ em inglês) se tornaram opção. Speakeasies para todas as classes e gostos continuaram vendendo bebidas, tanto para os ricos quanto para a boemia dos menos abastados. Estes últimos não eram ambientes lá muito acolhedores, mas ideais para a jogatina e para a comercialização dos spirits contrabandeados. A qualidade das bebidas nem sempre era a melhor, pois muitas delas eram mal armazenadas e outras eram produzidas artesanalmente sem estrutura alguma. Era necessário ‘mascarar’ a presentação de álcool caso a fiscalização batesse à porta.
Até por isso, era costume que as portas de acesso fossem guardadas por um ‘leão de chácara’, que abria apenas uma pequena vigia e aguardava uma senha, artifício necessário para filtrar quem poderia ou não ingressar no recinto.
(Confira, ao final da matéria, quatro receitas clássicas servidas nos speakeasies da época)
DOIS PESOS, DUAS MEDIDAS
Vieram à tona também alternativas curiosas para justificar o consumo. Como o álcool era também prescrito para fins terapêuticos, o que se viu nos anos seguintes, por exemplo, foi um aumento absurdo na emissão de receitas médicas prescrevendo tratamentos com licores e whiskeys.
Adquirir bebidas de contrabandistas que passavam sem fisco pelas fronteiras do México e Canadá era outra modalidade muito praticada. Contudo, apenas os mais abastados conseguiam mantê-la: políticos e figurões da alta sociedade podiam arcar com os preços praticados por contrabandistas e deram sustento ao grande esquema sujo que se estabeleceu.
Da época do início da Lei seca há relatos de transferência de estoques de garrafas na Casa Branca. Acabava o mandato de Woodrow Wilson e iniciava o governo de Warren G. Harding. Cada qual transportou consigo sua própria adega.
A fiscalização junto a esses grupos de status social elevado também não tinha a mesma rigidez. Ficava cada vez mais claro que a lei era dirigida às classes menos favorecidas.
Resumindo: a lei tão almejada por grande parte da população não tardou em se tornar impopular após aprovada. A legitimidade foi colocada em cheque por ser de aplicação seletiva. Logo os cidadãos que eram favoráveis à lei seca se viram prejudicados e o que era apoio tornou-se um manifesto contrário cada vez mais ostensivo.
Em meio à insatisfação geral da população, a terrível crise econômica gerada pela quebra da bolsa de valores em 1929 e um cenário de deterioração moral, surgiu uma promessa durante a campanha presidencial de Franklin Delano Roosevelt: acabar de vez com a Lei Seca. O argumento era que a legalização das bebidas geraria mais empregos, elevaria a cambaleante economia local e aumentaria a arrecadação de impostos.
Um ano após assumir o cargo, ele cumpriu o prometido: ratificou a 21ª emenda constitucional e pôs fim, em 5 de dezembro de 1933, a este emblemático período da história norte-americana.
Fique agora com 5 receitas que marcaram a época da Lei Seca americana e atravessaram as décadas, tornando-se verdadeiros clássicos da coquetelaria mundial.
TOM COLLINS
Bastante similar ao French 75, o Tom Collins ficou muito conhecido durante a proibição e se tornou mais popular que o French por substituir o champagne por água com gás. Publicado no Bartenders Guide, de Jerry Thomas, seu auge foi nos anos 20, quando a produção de gin ilegal teve um boom.
INGREDIENTES
45 ml Beefeater Gin
30 ml Suco de limão siciliano
15 ml Xarope simples
60 ml Água com gás
1 Rodela Limão
MODO DE PREPARO
Mexer suco de limão siciliano, gin e xarope em um copo alto. Encher com cubos de gelo. Completar com água com gás. Decorar com limão.
SIDECAR
Um dos coquetéis mais icônicos da Proibição, é elegante e, ao mesmo tempo, decadente. Mais consumido entre a parcela mais abastada da população que frequentava festas da alta-sociedade.
INGREDIENTES
50 ml Brandy
20 ml Triple Sec
20 ml Parte de Suco de limão siciliano
MODO DE PREPARO
Encher uma coqueteleira com cubos de gelo. Adicionar todos os ingredientes. Agitar e coar em uma taça cocktail resfriada. Decorar com limão.
WHITE LADY
Criado pouco tempo após o início da Lei Seca, o White Lady dá um toque feminino ao rol dos drinques feitos com o horroroso ‘gin de banheira’, como era chamado o gin ilegal produzido artesanalmente. Continua popular até os dias de hoje, mas agora é possível usar um bom gin para reproduzí-lo.
INGREDIENTES
40 ml Beefeater Gin
20 ml Suco de limão siciliano
30 ml Triple Sec
Clara de ovos
1 Casca em espiral Limão
MODO DE PREPARO
Encher uma coqueteleira com cubos de gelo. Adicionar todos os ingredientes. Agitar e coar em uma taça cocktail resfriada. Decorar com limão.
WHISKEY SOUR
Sem dúvidas, o principal drink da Era da Proibição. É muito popular ainda hoje. De traços masculinos, carrega consigo características estéticas da era do jazz
INGREDIENTES
45 ml Bourbon Whiskey
30 ml Suco de limão siciliano
15 ml Xarope simples
1 Dash clara de ovos
1 Cereja marrasquino
MODO DE PREPARO
Encher uma coqueteleira com cubos de gelo. Adicionar todos os ingredientes. Agitar e coar em um copo old fashioned resfriado cheio de cubos de gelo. Decorar com uma cereja marrasquino.
FRENCH 75
O drinque tem o nome de um tipo de canhão utilizado na Primeira Guerra Mundial. Se tornou popular no fim da Proibição, quando foi publicado no lendário livro The Savoy Book.
INGREDIENTES
30 ml Beefeater Gin
15 ml Suco de limão siciliano
2 dashes Xarope simples
60 ml Mumm Brut
1 Casca em espiral Limão
MODO DE PREPARO
Encher uma coqueteleira com cubos de gelo. Adicionar gin, suco de limão siciliano e xarope simples. Agitar e coar em uma taça de champanhe resfriada. Completar com Mumm. Decorar com limão.