⍟ Capixaba com ascendência alemã e italiana tem, na biodiversidade brasileira, o maior trunfo da coquetelaria nacional. E, na cachaça, sua principal ferramenta de trabalho
Publicado em 13 de setembro de 2018, às 12 horas.
Nenhuma outra bebida genuinamente brasileira é tão conhecida nas prateleiras de bares mundo afora como a cachaça. A aguardente nacional, embora rica e ímpar no sabor, é uma herança histórica desdenhada mas, nas mãos de Rafael Welbert, torna-se instrumento de valorização de nosso país. Neste Dia Nacional da Cachaça, a história profissional contada a seguir também é digna de ser celebrada.
Nascido em Vitória (ES), foi no exterior que Rafael Welbert deu seus primeiros passos na profissão. Na Itália, país de origem de sua família e também de grandes clássicos da coquetelaria mundial, Welbert fez cursos na área de bar e hospitalidade. Com 20 anos, começou, então, sua carreira atrás da barra. “Me conhecendo melhor, sabendo como eu gostava de conversar e trocar ideias com as pessoas, criar coisas novas, acabei me interessando pela coquetelaria”, relembra.
Para ele, trabalhar atrás do balcão era especial porque permitia que ele estivesse em qualquer canto do mundo mesmo sem falar a língua local. “Todo lugar do planeta tem um bar ou um restaurante. Eu poderia viajar e conseguir trabalho muito fácil, em comparação com outras áreas”, afirma. Por isso decidiu dedicar-se ao contato com o público, vendendo experiências e hospitalidade.
A paixão pela coquetelaria, como acontece com todos que preparam drinks pela primeira vez, tomou conta e, desde então, não saiu mais. As viagens, no entanto, continuaram, sempre em busca de novos sabores.
Welbert foi bartender na Suíça, Espanha e, entre outras experiências, abriu um stand-up bar na Ilha do Sal, considerada um destino paradisíaco de Cabo Verde.
HÁBITOS DE CONSUMO
Um dos principais aprendizado sobre o trabalho no exterior foi percepção sobre as diferenças dos hábitos de consumo brasileiros e europeus. O estilo de vida, a cultura de bar, o paladar da população e o volume de consumo revelavam um certo atraso brasileiro em relação ao que já era comum no estrangeiro.
“Lá o pior boteco faz um Negroni, por exemplo”, conta. “Aqui, poucas pessoas gostam do drink porque não é compatível com o paladar brasileiro”. O perfil dos frequentadores de bar no velho continente, segundo ele, é muito mais consciente sobre o que se bebe, com preferência para sabores mais amargos.
Outra diferença era percebida no quesito simpatia. Enquanto por aqui os profissionais de bar são amigáveis e abertos para conversa, alguns países europeus têm profissionais mais fechados e sisudos. “As pessoas são mais formais lá fora. Nós, latino-americanos, somos mais calientes, então temos mais hospitalidade, conversa, espontaneidade… nós ganhamos nisso, mas perdemos em outras coisas”.
NOVO OLHAR SOBRE A CACHAÇA
“Eu voltei para o Brasil porque acredito muito no potencial do nosso país, quis investir aqui porque nossa terra tem muito a oferecer e meu coração me disse para voltar”, afirma. Em Vitória, Rafael Welbert trabalhou em uma empresa de cachaças, onde pôde expandir seus conhecimentos sobre a bebida e, principalmente, sobre seu envelhecimento.
O mixologista é um entusiasta do assunto e reforça a importância do valorização da cachaça nos bares brasileiros. No início deste ano, ministrou uma palestra sobre o tema para centenas de bartenders no Super Bar Professional Show, em São Paulo.
Ele lamenta que a cachaça ainda seja tão desmerecida em sua terra natal. Colonizado pelos portugueses, o povo brasileiro aprendeu a dar valor, desde muito cedo, à herança europeia, desvalorizando suas raízes. Ele cita o brinde com a bebida, na Semana de Arte Moderna de 1922, como exemplo de contra-cultura. “Os artistas, cansados de todas as tendências europeias, queriam homenagear nossa brasilidade e, por isso, naquela época, brindaram com a nossa cachaça”.
O spirit, inevitavelmente, permeia toda a história do Brasil. Em relatos do livro Prelúdio da Cachaça, de Luis da Câmara Cascudo, o país já movimentava seus primeiros engenhos em 1560. A bebida é parte de cocktails regionais, como o Rabo de Galo, o Bombeirinho, a Consertada, já esteve em livros, filmes e peças. Contudo, ao longo desses quase 500 anos, os maus olhos para a cachaça tornaram-se culturais.
“Sempre nos ensinaram que a cachaça não é uma bebida nobre, de boa qualidade. Sempre nos falaram sobre como ela é ruim. Isso está na cultura popular. Um exemplo são as novelas brasileiras, em que os brindes são feitos com champagne, com gin, sempre com outras bebidas”, exemplifica.
Outros países, como o México, têm orgulho de seus spirits nacionais. Na região do Caribe, o rum é produzido desde meados de 1700 e a bebida é parte da cultura local.
“Acredito que, com o tempo, estamos pouco a pouco mudando esse olhar. É inacreditável a variedade de madeiras que temos para envelhecer a cachaça aqui no Brasil”, conta. Entre elas, amburana, jequitibá, cabreúva, amendoim, e muitas outras que trazem cores, aromas e toques de sabor singulares. Sem esquecer, claro, do carvalho, a principal madeira utilizada no exterior.
Para Welbert, ao divulgar a bebida, investindo em marketing e tecnologia, todos saem ganhando. “Como bartenders, também cabe a nós o dever de educar o público e mostrar como a cachaça pode ser uma bebida versátil e agradável, como tantas outras existentes no mercado”, defende. “Ela tem valor, história e tudo para estar no mesmo nível de um bom gin ou rum, até acima deles”.
Na opinião dele, é preciso, então, valorizar o que há de mais brasileiro em nosso balcão. Seja através da criação de cocktails que demonstrem o poder desse destilado, como no trabalho feito por ele nos restaurantes Balaio IMS e Esquina Mocotó, nos de Jean Ponce, do Guarita Bar, Laércio Zulu, e também de iniciativas que movimentem a cultura da cachaça. No ano passado, Rafael Welbert foi o primeiro colocado no I Concurso Nacional de Rabo de Galo.
DOBRADINHA BRASILEIRA
Foi quando voltou a São Paulo que Welbert conheceu um profissional com uma visão bastante semelhante à sua sobre os sabores brasileiros. O chef Rodrigo Oliveira é, hoje, um dos principais expoentes da gastronomia nacional e foi em seu primeiro restaurante, o Esquina Mocotó, que o mixologista pôde explorar o que há de melhor em sabores e tipos de cachaça.
A relação de trabalho, que começou há quatro anos, rende bons frutos. No Mocotó, 80% da carta é composta por cocktails à base de cachaça, harmonizando com pratos típicos da casa, que respira a culinária nordestina, como bode, sarapatel e mocotó. O restaurante tem 45 anos de história e nasceu na periferia de São Paulo como uma casa do norte, pertencente ao pai de Oliveira, com venda de produtos regionais.
Após estudar gastronomia e se especializar em culinária brasileira, o restaurante foi repaginado por Oliveira, hoje ostenta uma estrela Michellin e está entre os 50 melhores restaurantes latino-americanos. Além disso, o grupo conta com outros três restaurantes, que recebem a consultoria de Welbert.
BALAIO IMS
“Quando voltei ao Brasil, não queria fazer mais Negroni”, relembra. “Queria testar outras bebidas, sabores. Essa é a brincadeira da coisa, poder ousar, criar e testar novidades”. No Balaio IMS, tudo isso tornou-se possível. Inaugurado em outubro do ano passado, o mais novo restaurante do grupo tem o conceito de um balaio, literalmente. O mixologista explica: “balaio é um grande cesto em que cabe de tudo um pouco”.
Localizado no piso térreo do Instituto Moreira Salles, na Avenida Paulista, a casa oferece em cada prato uma mistura do melhor das culturas culinárias brasileiras. “Temos moqueca vegetariana, feita com palmito, caju, banana e folhas, por exemplo. Não é a moqueca tradicional… faz uma mistura, porém, com todo o conceito de um bom prato”, explica.
No bar, a ideia é trabalhar a coquetelaria do Novo Mundo, com pitadas do mundo inteiro, como descreve o mixologista.”Criamos cocktails que harmonizam com a diversidade de sabores do pratos. Temos bastante caipirinhas, drinks à base de rum, mezcal, bourbon, tequila”, explica.
Confira abaixo a receita de um drink autoral de Rafael Welbert, servido no Balaio IMS, o A Onça Vai Surfar:
A Onça Vai Surfar
INGREDIENTES
45 ml de Cachaça Janeiro com abacaxi
30 ml de jerez fino
30 ml de falernum artesanal com castanhas do Pará frescas
2 dashes de bitters de pimenta da jamaica
Broto de agrião
MODO DE PREPARO
Adicione todos os ingredientes a uma coqueteleira com gelo, mexa e coe para um copo baixo com uma pedra de gelo esférica. Guarneça com o broto de agrião.
One commentOn Rafael Welbert: no balaio dos sabores brasileiros
Sou barman no Belmond cataratas a oito anos.conheci o clube do barman hoje estou lendo todas as matérias uma nas interessantes que a outra gostei muito.da reportagem sobre a cachaça com Rafael.em nosso bar temos a honra de trabalhar com uma variedade de cachaças com mais de sessenta rótulos.e a mais ou menos dois anos atrás desenvolvi o coquetel devil troaw garganta do diabo em homenagem a maior queda de água das cataratas do Iguaçú.e realmente nossa cachaça precisa ser mais respeitada e apreciada parabéns a toda a equipe.
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