⍟ Alguns rituais no mundo do bar são costumes antigos, que passaram por várias mudanças no decorrer dos séculos. O ato de fazer um brinde é um bom exemplo. Saiba como ele surgiu e foi modificado na história
Assim como muitos acontecimentos importantes para a coquetelaria, ninguém sabe ao certo quando ocorreu o primeiro brinde com uma bebida alcoólica. Histórias, é claro, não faltam. Talvez a mais famosa delas seja a de que os brindes aconteciam entre pessoas que confiavam umas nas outras, uma vez que ao bater em diferentes copos, as bebidas se misturavam, e todos sabiam que ali não havia veneno.
Por esse motivo, é muito comum associar um brinde à comemoração, homenagem, saúde e confiança entre pares, amigos, familiares e companheiros de combate – seja no campo de batalha ou também atrás do balcão. Seguindo a trilha das histórias que envolvem os brindes nas mais diversas culturas, podemos entender como esta tradição chegou até aqui.
BRINDES NA GRÉCIA ANTIGA
Os gregos são famosos como precursores de bebidas fermentadas para consumo em larga escala. Para eles, os vinhos eram pilares da civilização, de modo a tornar aqueles que se abstinham do consumo pessoas estranhas e suspeitas aos olhos da sociedade. Aqueles que bebiam água, segundo os gregos, eram pessoas rudes, sérias e mesquinhas. Por outro lado, quem bebia vinho era considerado apaixonado pela vida e pelo conhecimento.
Não à toa, suas principais festas incluíram litros e litros da bebida, que era servida em kraters – uma espécie de poncheira de barro ou cerâmica. A tradição dos brindes gregos era ritualística e, geralmente, feita como uma oferenda aos deuses.
A literatura grega traz evidências da importância dos brindes. Na Odisseia, obra-prima de Homero, por exemplo, Ulisses brinda com vinho a saúde de Aquiles, que estava ferido. Uma oferta aos deuses nunca era feita com água.
EM ROMA, COMO OS ROMANOS
Para os romanos, mais do que uma oportunidade de celebrar vitórias, o consumo de bebida alcoólica era uma questão de saúde. Eles acreditavam nas propriedades do vinho para a saúde dos homens e tinham o costume de oferecer brindes para honrar figuras poderosas, desejar-lhes saúde e pedir pela recuperação dos feridos.
Os brindes eram assunto sério na política de Roma. Tanto que na época do Imperador Augusto, fundador do Império Romano (27 a.C – 14 d.C), o senado criara uma lei que obrigava um brinde ao imperador em todas as refeições. O consumo de vinho também era comum antes das orações e batalhas.
NA INGLATERRA
Foi somente depois do século XVII que ocorreu a virada de chave no mundo dos brindes. Para além de uma tradição espiritual, religiosa ou ligada ao sucesso na guerra, ela começou a ser encarada como uma ocasião social. Feitos somente por homens, os brindes eram celebrados não só com vinho, mas também com outras bebidas e tornavam-se oportunidades de reunir pessoas do mesmo círculo social, parceiros comerciais, realeza e acadêmicos, entre outros, para momentos de bebedeira generalizada.
Encontros casuais podiam durar horas, converter-se em uma algazarra com múltiplos brindes e acabar com muitos desmaiados. Como já vimos em algumas ocasiões aqui no Clube do Barman, quando o assunto é consumo de destilados, os ingleses costumam sair na frente. Outra prova disso é que foram eles os primeiros a fazer o “tim-tim” entre as taças de forma obrigatória.
No século XVIII, o Príncipe Regente (mais tarde Rei George IV) instituiu a prática de tirar as hastes dos copos de vinho nas festas para garantir que seus convidados sempre bebessem tudo. Nesta época, as mulheres já passavam a fazer parte das festas e, claro, dos brindes, embora de forma mais comedida.
OS TOASTMASTERS
Os brindes se tornaram tão comuns – e alcoólicos – na Europa do século XVIII, que surgiram os primeiros toastmasters. Eles dominavam a arte deste ritual, fazendo valer o consumo responsável entre os presentes, agregando valor às cerimônias e garantindo que todos tivessem a chance de brindar.
Era comum, no passado, que as pessoas quisessem brindar o tempo todo e, desta forma, os efeitos do excesso de álcool eram bastante nocivos. Isso porque, naquela época, era costume beber todo o conteúdo da taça ou caneca de cerveja de uma vez só. Entre brindes à saúde do Rei, à sorte do combatentes, ao nascimento de uma nova criança e à união de novas famílias, muitas festividades acabavam com pessoas desmaiadas.
Os toastmasters também tinham a função de manter “o bom gosto” dos brindes, já que não faltavam ideias – ou desculpas – para beber e impressionar as mulheres. Há quem tomasse vinho direto do sapato da amada, quem misturasse sangue ao vinho e outros que bebiam e lutavam para disputar a atenção de uma pretendente.
Conforme um dos primeiros livros dedicados aos brindes, ‘The Royal Toastmaster’ (1791), de J. Roach, este ritual era muito poderoso: “um brinde frequentemente excita o bom humor e revive uma conversa lânguida; quando aplicado de maneira adequada, esfria o calor do ressentimento e atenua o limite da animosidade. Um brinde bem aplicado é reconhecido, universalmente, por acalmar a chama da acrimônia, quando a estação e a razão muitas vezes empregam seus esforços em vão”.
BRINDE, TOAST, CHEERS E CIA
Existem duas palavras, na língua inglesa, que são utilizadas para se referir aos brindes: toast e cheers. Cada uma delas carrega consigo significados diferentes que fazem parte da história deste ritual.
Toast, por exemplo, também significa “torrada”. Surgido na Inglaterra dos século XVI, o termo deriva do costume de embeber um pedaço de pão com vinho ou cerveja no copo, logo após uma homenagem. Em sua comédia ‘As Alegres Comadres de Windsor‘, William Shakespeare faz menção ao ritual quando o personagem beberrão Sir John Falstaff exige que seu fiel seguidor Bardolph traga um pedaço de pão para mergulhar em sua bebida.
O objetivo era tornar a bebida mais saborosa e diminuir odores ruins. Afirma-se também que a torrada absorvia sedimentos amargos ou ácidos do álcool e que, depois de utilizada, era descartada.
“Cheers” ou “cheres“, por outro lado, vem da palavra anglo-francesa para “rosto”. Em francês antigo a palavra “chiere” significava “semblante, olhar, expressão”. Já no final do século XIV, “cheres” evoluiu para “cheere” e passou a significar a expressão do rosto. No século XVIII, tornou-se sinônimo de alegria e começou a ser usado para mostrar encorajamento e segue presente nos brindes até hoje.
Na próxima matéria, o Clube do Barman vai explicar o papel dos brindes no século XXI e também como propor o brinde perfeito.
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One commentOn História dos brindes: uma tradição que atravessou os séculos
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