Mini manual de barismo para bartenders – parte I

⍟ Conhecer a estrutura, os sabores e a qualidade do café se mostra cada vez mais necessário para desenvolver boas criações e reproduzir corretamente alguns clássicos

Ingrediente insubstituível de drinks importantes como o Espresso Martini ou Irish Coffee, o café tem conquistado cada vez mais espaço nos bares não só no Brasil, mas em todo o mundo. Conhecer as características fisiológicas, de sabor e aroma da bebida, além das formas corretas de prepará-lo, requerem muito estudo por parte de um barista. Nesta matéria, explicamos os conceitos básicos que todo bartender precisa saber para poder trabalhar com a bebida em suas criações.

Sabemos que nem todos os bares possuem o maquinário e ferramentas necessárias para o exercício pleno do ofício de barista, por isso, ressaltamos as informações mais importantes para a prática atrás do balcão.

CAFÉ NA HISTÓRIA

Entre lendas antigas e histórias passadas oralmente durante gerações, sabe-se que foi no Oriente Médio que as técnicas de plantio e consumo do café foram aprimoradas. Na região da Abissínia, na África, o fruto era consumido in natura, preparado em refeições e também bebido em uma variedade alcoólica.

lavoura de café
Lavoura de café (Foto: Copyright by E.M. –
Newman Library of Congress)

Após o primeiro milênio, os povos árabes descobriram como fazer a infusão com café. Antes, consumiam os grãos crus, em banho de água fria. A revolução veio no século XIV, quando decidiram torrá-los, moê-los e colocá-los em água quente. Preparada dessa forma, a bebida energética tornou-se popular nas nações árabes e, aos poucos, no restante do mundo.

Quatro séculos mais tarde, as primeiras mudas da planta foram trazidas aos países colonizados pela França na América Central e do Sul.  O primeiro plantio sistemático do café foi coordenado pelo sargento Francisco de Melo Palheta, nas capitanias do Maranhão e Grão-Pará. Palheta conseguiu as sementes enquanto tratava de assuntos diplomáticos junto à fronteira com a Guiana Francesa. Com o passar dos séculos, o açúcar – principal commodity produzida pela colônia – tornou-se produto desvalorizado no mercado internacional. Para dar novo vigor à produção agrícola, D. João VI de Portugal mandou distribuir sementes de café africanas para iniciar o cultivo massivo em solo brasileiro. Em 1808, com a vinda da família real, os portos foram abertos ao mercado internacional.

Hoje, o Brasil produz os grãos principalmente na região sudeste, que se consagrou como grande produtora. O país é líder na produção de café mundial e é reconhecido por seus grãos arabica de alta qualidade.

TIPOS DE GRÃOS

O café, antes de ser torrado e moído, é um fruto. Ele nasce em arbustos da família Rubiaceae, cujo gênero Coffea têm mais de cem espécies diferentes. Seus arbustos crescem o ano todo, dependendo de fatores como latitude, altitude, índice pluviométrico, qualidade do solo e temperatura. Chamada de ‘cafeeiro’, a planta pode superar os cinco metros de altura, dá flores com perfume semelhante ao do jasmim e frutos parecidos com cerejas.

Cada uma das ‘cerejas’ tem duas sementes em seu interior, ou seja, dois grãos de café. Se a fava possui formato ovalado, recebe o nome de ‘chata’. Se apenas um dos óvulos da planta for fecundado, o fruto dará origem a um único grão, mais arredondado, com o nome de ‘moca’.

Embora existam diversas espécies, apenas dois tipos da planta são cultivadas com interesse comercial: Coffea arabica e Coffea canephora. A primeira representa mais de 70% da produção mundial de café, com aspecto leve e aromático. Já a segunda, produz o café conhecido como conilon ou robusta – de paladar encorpado, adstringente e menos aromático do que o arabica.

Cada um deles tem uma gama de variedades no Brasil. Através da reprodução entre tipos diferentes de plantas, os produtores conseguem criar cafés com características únicas de cor, odor, textura e sabor. De acordo com o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), há mais de 60 mil registros de diferentes espécies e variedades de grãos no país.

TORRAÇÃO E QUALIDADE

Antes de preparar a bebida, os grãos de café precisam passar pela torração. É neste processo que eles ganham características aromáticas e diferentes tons de sabor. Cada tipo de grão tem especificidades que variam de acordo com o local de plantação, qualidade genética, terra e safra.

A cor marrom que os grãos de café adquirem após a torra é resultado da caramelização dos açúcares presentes no grão. Quando atingem essa coloração, é comum sentir cheiros de amêndoas e caramelo.

Existem diversos tipos de pontos de torra, mas é importante que eles não levem à quase carbonização do grão

Se o processo não for encerrado no momento certo, os grãos continuam sendo torrados até chegarem à cor preta. Durante a torra, os óleos migram cada vez mais para a superfície da semente, acelerando a carbonização até o ponto em que podem incendiar. Grãos irregulares, de pouca qualidade, muitas vezes são torrados além do ideal para mascarar imperfeições – o que, inevitavelmente, diminui a gama de sabores do café servido, tornando-o amargo.

Leo Peralta: bartender e barista

O ponto de torra médio, de tons achocolatados, é o mais indicado para grãos de alta qualidade para a potencialização do perfil sensorial e preservação dos óleos essenciais. Para checar a coloração das torras mais recomendáveis, existe a ‘Escala Agtron’.

Segundo o bartender e também barista Léo Peralta, é importante saber reconhecer se o grão que está sendo utilizado está em boas condições.

“Grãos enrugados, de cor opaca, esverdeada ou muito secos, são grãos de má qualidade”, explica.

PRINCIPAIS TIPOS DE EXTRAÇÃO

Existem uma série de métodos para a extração da bebida através da infusão do pó dos grãos de café torrados e água. Entre elas: espresso, aeropress, prensa francesa, V60 Hario, chemex, café turco, Moka, entre outras. Cada uma delas requer utensílios específicos que beneficiam alguns aspectos da bebida em detrimento de outras.

De acordo com Léo Peralta, é importante que os profissionais de bar dominem apenas duas: espresso e aeropress. Isso porque, além de simples, conferem cafés de alta qualidade.

Método Espresso

ESPRESSO

O tipo espresso (do italiano spremuto, ‘espremer’),  é preparado em uma máquina que aquece a água e obtém o café por pressão. A água quente atravessa os grãos moídos, extraindo todos os odores e sabores presentes no café. Isso torna o espresso um tipo de café rico em sabores, intenso e cremoso.

Por convenção, chamamos de espresso shot ou curto a porção de 30 ml da bebida – um pouco mais da metade da xícara pequena. Segundo Peralta, o café deve ser extraído com água quente, entre 92º e 96ºC. “É preciso saber e respeitar que o café é feito de pequenos detalhes. Nunca extraia com a água fervendo ou pelando. Se o café do seu bar sai a uma temperatura extrema, você não estará aproveitando o máximo da bebida”, diz.

Para extrair o café espresso, siga estes passos: certifique-se de que a máquina esteja aquecida; retire o porta-filtro do café, limpe-o e seque-o; ligue o moedor e retire a quantidade correta para um café (em torno de 10g); nivele o pó uniformemente sobre o porta-filtro, sem pressioná-lo; apoie o porta-filtro e compacte o pó usando um tamper (espécie de calcador); faça pressão novamente com o tamper sobre o pó e gire-o para ‘polir’ a superfície do café já compactado; retire o excesso de café nas bordas e dê uma descarga de água para limpar o filtro da máquina.

Em seguida, instale o porta-filtro na máquina e coloque a xícara embaixo do bico de saída. Esse período é chamado de pré-infusão e leva cerca de três segundos. A extração do café levará aproximadamente 30 segundos para terminar. O resultado é o espresso curto, de 30 ml.

Método aeropress

AEROPRESS

O aeropress tem um princípio de funcionamento bastante similar ao da prensa francesa. Ele foi criado em 2005 por Alan Adler, um engenheiro e inventor de brinquedos americano. O método consiste em uma grande ‘seringa’ de plástico em que o café e a água são pressurizados manualmente e passam através de um pequeno filtro circular.

O café extraído via aeropress tem menos amargor e acidez, além de uma coloração mais turva devido à extração de óleos. O sabor do café é similar ao espresso, pois também é extraído sob pressão. A diferença está na suavidade.

O modo mais correto de preparo varia de acordo com o fabricante, mas em linhas gerais é: retirar o êmbolo e a tampa da câmara inferior, colocar filtro na tampa e fechar a câmara, apoiá-la em uma caneca, colocar duas medidas de café moído na câmara, despejar água a 80ºC lentamente na câmara até o nível 2, misturar água e pó durante dez segundos.

A última etapa consiste em molhar o selo de borracha e inserir o êmbolo dentro da câmara, depois pressioná-lo suavemente para baixo até que o êmbolo esteja sobre o café, mantendo a pressão.

ESPRESSO MARTINI

Considerado um clássico contemporâneo, a criação de Dick Bradsell nos anos 80 se beneficia das características do melhor café espresso e de uma estrutura de bar adequada para ele. É inegável que sua fama valorizou ainda mais o uso do café na coquetelaria, mas o pensamento rápido e eficiente do bartender londrino garantiram que o drink se consagrasse nos menus de casas ao redor do mundo.

O cocktail foi criado às pressas para atender ao pedido de uma cliente que queria uma bebida que a “acordasse e detonasse”. Em uma entrevista, o barman, falecido em 2016, explicou sua ideia: “Eu peguei uma coqueteleira, coloquei gelo, alguns shots de vodka Wyborowa, licor de café, xarope de açúcar e uma xícara de espresso bem quente. Bati e coei para uma taça martini gelada”, explica. No final, ele guarneceu a bebida com três grãos de café para dar sorte.

Ainda segundo Léo Peralta, o espresso é o café mais correto para produzir este drink não apenas por causa do nome que leva. É importante que ele leve um espresso shot porque sua alta temperatura consegue criar e manter a espuma densa necessária para a receita.

Espresso Martini

INGREDIENTES

40 ml de Wyborowa Vodka
20 ml de licor de café Kahlúa
20 ml de café espresso (quente e fresco)
(simple syrup à gosto)

MODO DE PREPARO

Adicione todos os ingredientes em uma coqueteleira com gelo, bata a mistura e faça uma coagem para um cocktail glass ou taça coupe previamente gelado.

 

Leia a segunda parte desta matéria clicando no link abaixo.

Mini manual de barismo para bartenders – parte II

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