⍟ Na primeira parte deste mini manual, falamos sobre a estrutura e qualidade dos grãos de café, além dos principais tipos de extração da bebida. Nesta continuação, focaremos em seu uso na coquetelaria
Embora poucos bares tenham a estrutura completa de uma cafeteria, na última matéria exploramos os principais conceitos do barismo que todo bartender precisa saber para ter o melhor aproveitamento do café em seus cocktails. Agora que já conhecemos a estrutura dos grãos, sua qualidade e as diferenças entre os tipos de extração, chegou a hora de aplicá-los às receitas – seja de drinks clássicos, autorais e até na produção de outros insumos que utilizamos atrás do balcão.
Com tantas opções disponíveis de materiais, extrações, moagens e tipos de grão, surge a pergunta: vale utilizar o café comum, preparado na cafeteira? E a resposta é sim. Segundo o mixologista da Pernod Ricard Brasil, Rafael Mariachi, o mais importante é desenvolver o drink da melhor maneira possível. “O foco deve estar na qualidade do drink e não apenas no barismo por trás dele”.
Mas a escolha pelo tipo de café varia de acordo com o resultado que se deseja alcançar, de acordo com o bartender e também barista, Léo Peralta. “Os cafés espressos são excelentes para cocktails com textura mais densa, como Espresso Martini. Já cafés coados são mais aromáticos, têm textura mais leve e são ideais para drinks com alto volume de café, como o Irish Coffee”.
NA CAFETEIRA: IRISH COFFEE
O drink considerado ícone das ruas frias da Irlanda, o Irish Coffee requer não apenas um bom irish whiskey, como é o caso de Jameson, mas também um café muito quente para aquecer o organismo. Em alguns bares, como é o caso do tradicional Buena Vista Cafe, nos Estados Unidos, o cocktail é produzido em série. Isso requer dezenas de cafeteiras funcionando em pleno vapor todos os dias.
Foi neste mesmo bar, nos anos 50, que o drink ganhou o mundo graças ao jornalista Stanton Delaplane, do San Francisco Chronicle. Ele não foi o criador, mas ficou atrelado à história do cocktail após tomá-lo pela primeira vez no Foynes Airport, preparado pelo bartender e chef de cozinha Joe Sheridan. O barman foi chamado ao aeroporto no inverno de 1939 para preparar bebidas e comidas quentes para os passageiros de um voo que seguia para Nova York, mas que teve de voltar devido ao mau tempo.
A criação surgiu por acaso. Sheridan acrescentou irish whiskey aos cafés fumegantes dos passageiros e completou o copo com creme de leite batido. Ao ser questionado sobre a nacionalidade do café utilizado, o bartender respondeu: “o café é irlandês”. Ou seja, um Irish Coffee.
Irish Coffee
INGREDIENTES
50 ml de Jameson Irish Whiskey
70 ml de café quente
30 ml de creme de leite fresco batido
1 colher bailarina de açúcar
3 grãos de café (opcional)
MODO DE PREPARO
Flambe o irish whiskey direto em uma xícara por cerca de dez segundos, adicione o café e açúcar e mexa bem. Complete com creme de leite fresco batido para uma melhor emulsificação.
CAFÉ DE MÁQUINA, PODE?
Tão práticas quanto os tipos de extração explicados em nossa última matéria, as cápsulas de café também podem ser boas opções de matéria-prima para cocktails. Comumente fabricadas com café gourmet – de qualidade superior – elas oferecem tipos diferentes de sabores, intensidades, torras e aromas que podem ser aproveitados na criação de drinks que privilegiam notas mais cítricas, achocolatadas, amadeiradas, etc.
A variedade de sabores, assim como a facilidade e rapidez na extração do café, dependem da marca escolhida.
Como exemplo de cocktail feito com café de máquina, o bartender Rogério Rabbit criou uma receita em que o harmoniza com cachaça, licor de laranja e redução de vinho do Porto. A cápsula escolhida para o drink é a Nespresso Rosabaya de Colômbia, de café arabica, com torra média e notas de vinho e frutas vermelhas.
Batida de Café
(por Rogério Rabbit)
INGREDIENTES
10 ml de cachaça Janeiro
20 ml de café Rosabaya de Colômbia
10 ml de licor de laranja
10 ml de xarope de macadâmia
10 ml de redução de vinho do Porto
1 zest de laranja bahia
1 gema de ovo
MODO DE PREPARO
Em uma tigela, bata a gema e o café com um garfo até que a mistura fique homogênea. Coloque-a em uma coqueteleira com o restante dos ingredientes líquidos e bata por cerca de dez segundos. Faça uma coagem para um copo ou xícara transparente e guarneça com grãos de café. Por fim, torça o zest de laranja sobre o copo para aromatizá-lo.
CAFÉ GELADO: COLD BREW
Apesar da moda do café gelado ter chegado há pouco no Brasil, suas raízes datam do século XVI. Afirma-se que para pode transportar a bebida durante longas viagens, os holandeses preparavam um café concentrado. Isso tinha duas grandes vantagens: a bebida se mantinha boa por mais tempo e não era preciso se preocupar em carregar os materiais para prepará-la.
Em seguida, os japoneses teriam a aperfeiçoado. Mestres seculares das infusões, optaram por extrair o café como um chá, mas com algumas diferenças. Ao invés de deixar o pó submerso na água, eles utilizavam torres que liberavam pingos d’água com uma certa periodicidade. Hoje, poucos usam este método de produção devido sua complexidade.
Por último, ficou a cargo dos franceses e portugueses criarem o cold brew mais parecido com o que bebemos hoje. Enquanto os outros povos o bebiam em temperatura ambiente, na Argélia decidiram tomá-lo gelado. A bebida, chamada de Mazagran, misturava café concentrado, açúcar e água gelada. Em alguns países, existe a variação feita com limão siciliano, hortelã e até rum.
CARACTERÍSTICAS DO COLD BREW
Quanto mais lenta é a extração, maior é a quantidade de cafeína no produto final. Por essa regra, entre todos os tipos de extrações disponíveis, o cold brew é a que resulta no café mais energético. Mas nem por isso é o mais amargo, não se engane.
Ele é mais doce do que o café espresso, por exemplo. Seu sabor é mais leve, sutil ao paladar, com um aroma bastante intenso do grão. Outra diferença, devido ao tempo necessário para a extração – que pode levar de 12 a 24 horas -, é que a bebida final é menos ácida do que a obtida por outros meios. Entretanto, tenha em mente que o perfil de sabor do grão escolhido para o preparo do cold brew têm influência nesse processo.
De acordo com Léo Peralta, a versatilidade do cold brew é o principal atrativo para utilizá-lo na coquetelaria. “Ele confere uma bebida vibrante, com boa acidez, alto teor de cafeína e que pode ser conservada na geladeira por até quatro dias”, afirma. “Ele ainda tem a vantagem de ser uma bebida fria, ótima para controlar a diluição dos coquetéis”.
Cold Brew
(por Léo Peralta)
INGREDIENTES
200 g de café moído em alta granulometria (moagem grossa)
600 ml de água filtrada
MODO DE PREPARO
Ponha o café dentro de um saco de pano e deixe macerar em um recipiente fechado com a água por um período de 12 horas. Por fim, retire o saco com café, coe o líquido e envase.
Peralta salienta que harmonizá-lo com os mais diversos spirits é simples, mas deve-se levar em conta o tipo de café escolhido para a receita. “Vale o lembrete que de o café ressalta muito bem as bebidas mais envelhecidas, devido às sua notas amadeiradas”.
Mas isso não é regra. Na opinião do mixologista da Pernod Ricard Brasil, João Morandi, é interessante como o café pode ser bem utilizado mesmo com destilados sem envelhecimento. “Ao mesmo tempo, existem cocktails clássicos com café que levam vodka e até tequila pouco ou não envelhecida. Acho que é muito mais a maneira como você utiliza o café com cada destilado, o método que você utiliza pra extrair a bebida, a proporção e os outros ingredientes que vão junto, que influenciam no resultado”.
Em eventos no Borsoi Cafe Club, em Recife, Morandi prepara uma série de receitas à base da bebida, como Gin Tônicas, Negronis, Espresso Martinis e outras criações.
Café de la Cantina
(por Léo Peralta)
INGREDIENTES
45 ml de Rum Havana Club 3 Años
30 ml de cold brew
30 ml de Amaro Ramazzotti
15 ml de simple syrup
2 dashes de bitter aromático
MODO DE PREPARO
Coloque todos os ingredientes em uma coqueteleira com gelo, bata a mistura e faça uma coagem fina para um copo baixo com uma pedra grande de gelo. Guarneça o drink com um twist de laranja.