⍟ Trocar o dia pela noite é, muitas vezes, uma necessidade no mundo do bar. Saiba como as mudanças nos hábitos de sono podem prejudicar sua saúde e como criar uma rotina de descanso mais sadia
De acordo com a Associação Brasileira do Sono (ABS), 20% da população brasileira trabalha em turnos noturnos. Ou seja, na hora em que o cérebro e o corpo estão naturalmente se preparando para dormir, muitos estão apenas iniciando a jornada de trabalho. Inúmeros bartenders fazem parte desta realidade que demanda alguns cuidados que, quando não observados, podem levar a complicações de saúde física e psicológica.
Para adultos entre 25 e 64 anos, o tempo total de sono recomendado pela ABS varia entre 7 e 9 horas. Quando se dorme menos do que isso, ocorre a chamada ‘privação de sono’ ou ‘transtorno do sono insuficiente’, que contribui para acelerar ou antecipar várias doenças que variam desde obesidade até o câncer. Acredita-se que o débito de sono gire em torno de 2 horas a menos a cada 24 horas durante a semana.
Nesses casos, são comuns sintomas a curto prazo como: mudanças no humor, fadiga, sonolência noturna, alterações de memória, dificuldade de concentração, diminuição no rendimento psicomotor, reflexos lentos, diminuição da libido, dores de cabeça, entre outros.
Já a longo prazo, os malefícios podem ser piores, levando a quadros de falta de vigor físico, doenças neurodegenerativas, envelhecimento precoce, diminuição do tônus muscular, comprometimento do sistema imunológico (com mais chance a infecções, depressão, obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares), hipertensão, arritmia, problemas gastrointestinais e déficit de memória.
IMPORTÂNCIA DO SONO PARA A SAÚDE
O sono tem um papel essencial para o bem-estar, aprendizado, criatividade, boa disposição e humor, tão necessários para a rotina de trabalho atrás do balcão. Ele tem papel importante em vários domínios neurocognitivos. Um deles chama-se ‘função executiva’ que é a capacidade de completar tarefas e resolver problemas. Esta é uma função do lobo frontal cerebral, que precisa estar conectado com outras áreas, como o sistema límbico (que controla das emoções), o estriado (que coordena os movimentos), e o hipocampo (responsável pela memória de trabalho – capacidade de assimilar novas informações para uso imediato).
Para que novos aprendizados sejam memorizados e tenhamos discernimento na utilização do banco de dados que temos armazenados nas áreas do cérebro, é necessário passar por estágios de sono específicos nos quais acontecem a consolidação de várias memórias e aquisição de memórias de longo prazo.
Quando aprendemos qualquer conteúdo enquanto acordados, na hora do sono entraremos mais rápido no chamado REM (Rapid Eye Moviment, ou ‘movimento rápido dos olhos’, que é um estado de relaxamento muscular), a fim de organizá-los e guardá-los adequadamente nas ‘pastas’ corretas da nossa “CPU cerebral”. Ao despertarmos, é comum que encontremos respostas para questões ou equilíbrio para decisões, caso sono tenha sido reparador.
NÃO VIRE A NOITE TRABALHANDO
Segundo a médica neurologista e presidente da Associação Brasileira do Sono, Dra. Andrea Bacelar, não é correto ‘virar’ a noite trabalhando ou estudando. “Por mais que pareça ser a coisa certa a fazer, ocorre um boicote em nossa memória”, explica, adicionando que isso não rende, necessariamente, bons frutos em provas ou avaliações.
“Durante uma noite adequada de sono, nós conservamos energia por meio do metabolismo anabólico, produzimos e excretamos hormônios para recuperamos órgãos e sistemas para um novo dia, equilibramos os neurotransmissores através do sistema límbico, considerado o centro das emoções”, completa.
MUDANÇA DE HÁBITOS
Fora do bar, adotar alguns hábitos diferentes pode ajudar a ter um sono mais fácil e produtivo, do ponto de vista da saúde. É comum que, por conta do agito do bar, música alta, luzes, movimentos constantes e até um pouco de álcool, o profissional sinta dificuldade em relaxar ao chegar em casa e deitar-se para induzir o sono.
De acordo com a neurologista, a prática de atividades físicas regulares e de intensidade moderada tem papel relevante para o aumento do tempo total de sono de qualidade dos profissionais ‘noturnos’. “Os exercícios diminuem o tempo que leva para iniciarmos o sono, aumenta significativamente o sono profundo e o sono REM, que é o sono dos sonhos. Além disso, a atividade física regula a temperatura corporal e os neurotransmissores do sistema nervoso central”, afirma. “O sistema opioide central, que gera sensação de bem-estar físico, é acionado e libera beta-endorfina”, finaliza.
O consumo de álcool durante o expediente também pode afetar o descanso dos bartenders. Isso porque, embora aumente a sensação de relaxamento e sonolência, provoca um sono superficial. Segundo a neurologista, à medida que o álcool é metabolizado durante a noite, o indivíduo tende a despertar mais vezes, prejudicando sua qualidade do sono. “Em algumas pessoas, o álcool prejudica a segunda parte do sono noturno, podendo reduzir o sono REM, provocando a sensação de sono não reparador no dia seguinte”.
Além de mexer com a estrutura do sono, o álcool tem efeito de relaxante muscular, inclusive da musculatura da garganta, podendo induzir roncos e apneia do sono.
Dra. Andrea ressalta que a função do cérebro é manter-nos vivos e saudáveis. Quando não temos sono de qualidade, não conseguimos ficar acordados direito – o que representa uma ameaça ao estado de vigília e atenção do indivíduo.
“O sono é aprendido por nosso sistema nervoso central durante os primeiros anos de vida. A noite, o escuro aumenta a produção de melatonina, que é um hormônio responsável pela sensação de sono. Durante o dia, a claridade inibe sua produção, colocando o indivíduo em estado de vigília”, explica a especialista. No entanto, cortinas ‘blecaute’ no quarto nem sempre são suficientes para resolver a dificuldade do organismo em adaptar-se à troca do dia pela noite.
ROTINA PARA O SONO DE QUALIDADE
De acordo com o neurologista especialista em medicina do sono pela ABS, Dr. Nonato Delgado Rodrigues, estabelecer algumas rotinas de preparação para o sono pode ajudar a melhorar a qualidade do descanso e, consequentemente, seus efeitos na saúde.
Veja-as abaixo:
1 – Diminuir os estímulos antes de dormir: ao redor de 30 a 40 minutos antes de deitar-se, desligue todos os eletrônicos e faça uma atividade relaxante, que pode ser uma leitura leve com luz baixa. A necessidade de diminuir os estimulantes antes de dormir varia de pessoa para pessoa. Aqueles com tendência para insônia, devem seguir estas orientações de forma mais sistemática. A luz azul dos smartphones é a mais prejudicial para o sono, por isso indica-se o uso de aplicativos que mudam o padrão de luz após certo horário.
2 – Evite o uso de substâncias estimulantes no período de no mínimo 4 horas antes de dormir. Cigarro, café e chá devem ser evitados. O café pode ficar em ação no cérebro por até 7 horas em algumas pessoas e, neste caso, não deve ser consumido após as 16 horas.
Cafés filtrados devem ser evitados pela grande concentração de cafeína, e como ela é hidrossolúvel, os cafés com maior contato com água extraem mais as substâncias. Se for beber, dê preferência aos cafés espressos, que são ricos em adrenalina e dão efeito de agitação momentâneo. No caso dos chás, o aconselhável é ingerir infusões como camomila, cidreira, valeriana, hibisco, gengibre e boldo, que têm efeitos calmantes e relaxantes. Por outro lado, evite os chás branco, amarelo, verde, oolong, preto, escuro (que derivam da Camellia sinensis) e a erva-mate, pois contêm cafeína.
3 – Cuide para que o local do sono seja agradável: deixe o quarto escuro e silencioso. Evite dormir com a televisão ligada. Se possível, regule a temperatura do ambiente.