A coquetelaria como convicção: Tom Oliveira, do Home SP

⍟ Consolidar a alta coquetelaria no despojado centro de SP é algo que continua a exigir boas doses de planejamento, observação e atitude. Para o bartender paulistano Tom Oliveira, trata-se de um desafio sob medida.

Publicado em 13 de abril de 2017, às 16h.

Mesa na calçada, cerveja gelada. O cenário é dos mais comuns nos arredores da Consolação, agitado reduto histórico da vida noturna e universitária paulistana. São dezenas de bares espalhados por ruas famosas, tais como Augusta, Haddock Lobo e Frei Caneca.

Mas, desde junho do ano passado, justamente em uma travessa das três – a Matias Aires -, um deles decidiu fugir à regra. Com uma proposta de vanguarda, o Home SP abriu as portas decidido a cativar um novo público, disposto a enveredar-se pelos sabores da coquetelaria.

Coube ao bartender Tom Oliveira, paulistano da gema, 35 anos, a tarefa de comandar o balcão. E ela tem sido cumprida, com louvor: o local já figura entre os mais frequentados da região e se consolida como referência para outros profissionais e estabelecimentos. Nada mal para quem descobriu sua grande vocação quase ao acaso: até então vendedor em uma loja de roupas num shopping, ele decidiu esticar o expediente trabalhando em bares apenas para ter uma renda complementar.

BOULEVARDIELSON

INGREDIENTES

30 ml de blend de bourbon e Havana Club Añejo 3 Años envelhecido em umburana
30 ml de vermute da casa
30 ml de vermute italiano tinto
2 dashes de bitter de chocolate.

MODO DE PREPARO

Acrescente todos os ingredientes em um copo baixo completo com gelo maciço. Guarneça com um zest de laranja Bahia.

PASSO A PASSO

Estamos apenas começando”, avisa Tom, admitindo que os resultados tem sido surpreendentes, até mesmo para ele. “Muitas pessoas não lidam muito bem com a pressão. Eu tenho essa habilidade e sou movido a oportunidades. Esse fator tem sido fundamental na concepção do Home SP”, admite.

Entusiasta da coquetelaria clássica londrina, inspirado pela criatividade do período da Lei Seca norte-americana e fã de Jerry Thomas e Gary Reagan, Tom lembra que a primeira carta que desenvolveu para a casa era cautelosa, já prevendo a falta de familiaridade do público com destilados e coquetéis.

“As escolhas tiveram um aspecto quase educacional, com coquetéis mais cítricos e doces. Aos poucos fui acrescentando os amargos, bitters e sours, pois percebi que os clientes já estavam fidelizados e dispostos a dar o passo seguinte”.

Outra ideia bem-sucedida consistiu em acrescentar o teor alcoólico de cada drink no cardápio, para que os clientes pudessem ter a percepção entre os mais fracos e fortes e assim definissem sua própria escala de consumo. “É um detalhe que também facilitou na interação de vendas entre cliente e funcionários, com uma linguagem lúdica”.

Com um importante trabalho à frente do Home SP, Tom Oliveira hoje é referência na alta coquetelaria paulistana.

Hoje, quem vai até o Home SP se depara com uma carta mais abrangente, que inclui muitos ingredientes artesanais, tais como xaropes e espumas. E pode se preparar para outras novidades: “Estou trabalhando para entregar no próximo semestre opções mais avançadas, para possibilitar ao cliente uma experiencia ainda mais complexa. Nosso trabalho é de formiguinha e sem pressa”, resume.

AMBIENTES FAVORÁVEIS

“Comecei no saudoso Vegas Club, em meados de 2005. As lembranças que tenho deste período misturam humor, nostalgia e drama”, diverte-se. Lá, assegura, tomou gosto pela coquetelaria e aprendeu a desenvolver uma relação de hospitalidade com as pessoas. Também encaminhou os passos seguintes, igualmente importantes para sua formação. Entre eles, no Neu Club, na Barra Funda, “aconchegante e informal, mas nem por isso menos importante”, e no Lions Club, quando foi apresentado à alta coquetelaria. “Ali encontrei incentivo para buscar mais informação, aprimoramento e refinamento de técnica”, avalia.

Tom acredita que a efervescente região central paulistana sempre se espelhou nos grandes centros mundiais. A presença da alta coquetelaria, mais cedo ou mais tarde, seria, portanto, inevitável. “Muitas pessoas viajam para outros lugares e consomem cultura. Isso sempre foi favorável para a troca de informações. E o ambiente acaba sofrendo este impacto positivo“, analisa.

Artes marciais: fonte de inspiração em suas convicções sobre disciplina e determinação para a carreira profissional

Por isso, quando o bartender Marcelo China – ex-colega de Vegas -o indicou para a vaga no Home SP, não houve tempo para hesitação. Os sócios precisavam de um bartender para a nova empreitada – já possuíam o Hotel Bar – e bastou uma conversa para que o desafio fosse aceito. Tom embarcou na ambiciosa ideia e passou a colocar em prática tudo o que havia estudado e vivido até então.

Um dos segredos de sua confiança, aliás, está bem longe das coqueteleiras. Adepto das artes marciais desde os 10 anos, ele aprendeu no tatame conceitos faz questão de aplicar no dia-a-dia: “Iniciei no kung-fu, migrei para o judô e até hoje treino jiu-jitsu. Também fiz boxe e muai-thay. As artes marciais entraram na minha vida como uma forma de gastar energia, pois sempre fui muito agitado. Através delas, obtive disciplina e segurança“.

QUESTÃO DE CONVICÇÃO

Tom acredita que seu processo autoral divide-se entre experiências e estudos dentro e fora do balcão. Colocar-se no lugar do cliente é uma prática habitual. “Sempre fui muito observador. Acredito que, no mercado como um todo, tudo que é deficiência em um ponto se torna oportunidade em outro. O conceito de autoral nada mais é que aperfeiçoar a relação do coquetel como o cliente, seja por meio de ingredientes frescos, diferentes de seu cotidiano ou uma apresentação singular”.

Ele garante: quem vai ao Home SP para degustar um coquetel sempre sai com uma boa história para contar.

EM BUSCA DA EXCELÊNCIA

Outra de suas preocupações recorrentes é quanto ao serviço. Uma equipe “afunilada” e que tenha coerência entre carta, cliente e demanda de necessidades é um dos princípios que defende para manter o ambiente mais atencioso e acolhedor.

Por outro lado, admite que a categoria ainda tem muito a conquistar para que possa desempenhar suas funções com plenitude e segurança. Uma carga horária justa, mais reconhecimento para a profissão e flexibilidade nos impostos para a compra de produtos importados são algumas condições que, em sua opinião, contribuiriam para voos mais altos do setor.

Entre os colegas de profissão que Tom admira na atualidade estão Spencer Amereno, Jean Ponce e Alexandre D’Agostino.”O mercado atual se mostra muito promissor, com mais acesso à informação através de mídia especializada e uma boa demanda de cursos e workshops que preparam o profissional. O desafio agora é focarmos no fortalecimento da classe. Muitos bartenders estão abrindo seus próprios bares e isso é um ótimo caminho para a busca por excelência e qualidade”, avalia.

Diante deste futuro tão cheio de perspectivas, ele também já traçou alguns planos: “Quero competir no exterior e visitar bares por todos os cantos do mundo, agregando conhecimento, técnica e a bagagem cultural que só a coquetelaria pode proporcionar”, conclui, com a convicção que lhe é peculiar.

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