⍟ Este assunto pode parecer unânime no mundo do bar, uma vez que faz parte das primeiras aulas de qualquer curso de coquetelaria. Mas vale repensar o processo, questionar se a prática é realmente necessária e quais são seus impactos no turno de trabalho
Uma das primeiras lições práticas de qualquer curso profissionalizante de bartender é: experimente o drink antes de servir. Afinal, seu cliente não pode receber um drink desequilibrado para consumir e o barman é o encarregado de fazer o ‘controle de qualidade’ da bebida. Com o canudo em mãos, cada cocktail é provado, mesmo aqueles cuja execução é simples e não há ingredientes frescos. Isto nos leva ao questionamento: é realmente necessário provar todos os drinks do bar antes de entregá-lo nas mãos do cliente?
Essa pergunta pode ser incômoda, ao passo em que mexe com um dos pilares da profissão: o dever de servir aos visitantes do seu bar o melhor cocktail possível. Contudo, a reflexão é válida por três motivos principais: saúde, eficiência de trabalho e preservação do meio ambiente.
Pode parecer pouca coisa mas, ao experimentar um drink, o profissional ingere até 5 ml do conteúdo do copo. Fazendo isso indiscriminadamente, é provável que você chegue ao fim do expediente bebendo mais de um litro de bebidas alcoólicas, a depender do volume de cocktails vendidos pelo bar. Se o consumo responsável vale para o seu cliente, ele vale para você também!
Para o mixologista do Clube do Barman, Marcos Néia, é preciso ter em mente as complicações do consumo frequente de álcool e sua relação com problemas de saúde. “Dependendo da quantidade de álcool ingerido, o fígado pode levar até 24 horas para filtrar todo o álcool”, explica. “Se o bartender consome álcool todos os dias e faz uma escala de 6×1, ele pode estar sobrecarregando o seu fígado por quase todo o tempo, ficando, assim, mais exposto a doenças como a cirrose”.
Este assunto é tão sério que em algumas regiões dos Estados Unidos, os profissionais de bar são proibidos de consumir qualquer quantidade de bebida durante o expediente. Porém, também há outros estados que flexibilizam as regras para quem faz a prova de sabores no bar. No Brasil vale usar o bom senso e provar as bebidas moderadamente.
PROVAR O QUE É CERTO
O senso comum diz que bartenders são como chefes de cozinha, que provam todos os pratos antes que sejam levados às mesas do restaurante. Mas engana-se quem pensa que o chef prova todos os itens do prato. Um chef de cozinha não vai tirar um pedaço de um omelete, de uma carne nobre, somente para atestar seu sabor. Isso porque ele não precisa: já experimentou e analisou a qualidade de todos os insumos essenciais antes de começar o turno do dia. O máximo que ele irá provar é o sal de um molho feito na hora.
No bar, a lógica é a mesma: não é preciso experimentar todos os drinks se você já atestou a qualidade dos insumos antes de abrir a casa. Isso vale, claro, para xaropes artesanais, shrubs, geleias e sucos que oxidam muito rapidamente como o de limão e o de laranja.
Por esse mesmo motivo, não é preciso provar um cocktail feito apenas de ingredientes alcoólicos, como o Negroni, por exemplo. Suas proporções são fixas, simples, e o sabor será sempre o mesmo. Assegurando-se da qualidade do gelo e dos spirits, você já sabe o que seu cliente vai encontrar no copo.
Confira abaixo seis motivos pelos quais você não precisa provar todos os drinks servidos no bar:
1 – PADRONIZAÇÃO DAS RECEITAS
Além de ser uma boa prática de sustentabilidade e economia no bar, a padronização das receitas cria uma base de trabalho para que toda a equipe do bar seja capaz de servir o mesmo drink a qualquer cliente. Assim, a caipirinha feita por um colega será igual a sua e todos os clientes poderão saborear a mesma bebida. Lembre-se da exceção: caso seus insumos frescos apresentem variação na acidez ou no dulçor, será necessário equilibrar e experimentar novamente o cocktail. Mas em último caso.
2 – EXPERIÊNCIA DÁ SEGURANÇA
O mixologista do Clube do Barman, Rafael Mariachi, é categórico: “se eu vou a um bar, sento-me ao balcão, peço um drink e vejo o bartender experimentando cada um deles antes de servir, a impressão que eu tenho é de que ele não se sente seguro sobre o próprio trabalho”.
Ao preparar diariamente as mesmas receitas, a tendência é que os sabores e proporções sejam internalizadas pelo bartender e, através da padronização das receitas, ele já saiba exatamente o que está servindo sem a necessidade de provar antes do cliente.
A exceção vai para os drinks personalizados, fora do cardápio, que precisam ser criados na hora. Neste caso, experimentar pode ser fundamental para o sucesso da bebida. Use sua colher bailarina para experimentar e lave-a em seguida.
3 – HIGIENE
Cuide da saúde do seu cliente. Usar o mesmo canudinho para provar uma série de drinks em sequência é, acima de tudo, um comportamento de risco de contaminação. Isso porque você pode levar bactérias da sua saliva para a bebida de um cliente e espalhá-la para o copo dos demais. O mesmo vale para colheres bailarinas e aquela velha técnica de pingar um pouco da bebida na mão para experimentar. Sempre faça a assepsia correta das mãos!
4 -VOCÊ JÁ PROVOU OS INSUMOS ANTES DE ABRIR O BAR
Se você já provou os ingredientes frescos antes do início do turno do bar, é desnecessário experimentar cada cocktail que você faz. No meio da noite, faça uma pausa para verificar se a qualidade se mantém e continue o trabalho.
5 – TEMPO É DINHEIRO
Essa máxima determina o lucro de um bom bar. Vamos supor que você prepare 120 cocktails por noite e leva cerca de 15 segundos para experimentar cada um deles, isso vai acumular em 30 minutos a mais na sua jornada de trabalho só para provar os pedidos. Imagine, agora, provar cinco drinks em sequência. A demora para entregá-los vai fazer com que muitos drinks cheguem diluídos às mesas ou até mesmo que seus clientes cancelem o pedido pelo atraso. Eficiência é tudo!
6 – PLÁSTICO A PERDER DE VISTA
Sabemos que o plástico, em suas diversas formas, é um dos principais vilões da vida nos oceanos, e já nos manifestamos diversas vezes a favor da abolição do uso deste material no bar. Ele é o principal componente dos canudos utilizados para atestar a qualidade dos drinks. Logo depois, é descartado, junto com a embalagem plástica na qual vem embalado por padrões de higiene.
Agora, imagine: você é capaz de calcular quantos canudos plásticos já usou atrás do balcão? Uma primeira solução é trocá-lo por canudos de metal, vidro ou até biodegradáveis – estes últimos, por exemplo, não compensam, uma vez que aumentam consideravelmente o custo de operação do bar. A segunda e mais efetiva é não usar nenhum deles, usando uma colher bailarina.
Com essas informações em mente, repense as ações da sua equipe no bar e organizem-se em prol da eficiência e da diminuição de gastos de tempo, utensílios plásticos e fígado. As contas do bar e sua saúde agradecem e o meio ambiente também!