As garrafas de destilados no Brasil têm tampas de rosca, mas muitos vinhos e champagnes ainda pedem a ajuda deste utensílio. Conheça sua história e irá querê-lo por perto.
O início de tudo: a rolha
Até o século XVII, as garrafas não eram como conhecemos. A forma comum de gargalo estreito que qualquer garrafa tem hoje em dia foi criada depois desta maravilhosa invenção. Um pedaço cônico de cortiça que se encaixa na garrafa de forma muito justa. Por ser feita com um material poroso e pouco denso, a rolha pode ser comprimida. Assim, o espaço entre suas moléculas é reduzido, eliminando o ar entre elas e diminuindo seu tamanho. Isso faz com que caiba na garrafa, se expandindo em seguida, vedando qualquer possível entrada de ar, preservando o líquido em seu interior.
Provavelmente você já sacou uma boa rolha de uma garrafa de champagne e percebeu que, devido ao seu tamanho, seria impossível que ela estivesse no gargalo antes. Após ser removida, apenas com muito custo ela pode novamente ser comprimida e recolocada na garrafa. Cada rolha, a depender de seu uso, é feita com um tipo de cortiça diferente ou outro material com propriedades físicas similares.
Por estar bem presa e justa na garrafa, a remoção de uma rolha em uma garrafa com líquido sem pressão, como os vinhos, deveria ser feita com uma ferramenta capaz de agarrar a rolha, possibilitando um ‘enganchamento’. À época de sua invenção, tal ferramenta não existia. Por isso, na origem da rolha, está a corrida pelo dispositivo perfeito para arrancá-la da garrafa.
Além de facas, espetos e violência, desde cedo um equipamento próprio para a limpeza de mosquetes, em formato de espiral (worm) começou a ser usado para sacar rolhas.
O instrumento tem essa forma para ser colocado dentro do cano do mosquete e raspar qualquer resquício de pólvora, restos de projétil ou outra sujeira que impeçam a trajetória correta da bala seguinte.
Já nas garrafas, era colocado no gargalo para espetar a rolha até chegar a seu fim. Presa o suficiente à espiral, a rolha podia ser içada para fora. A ferramenta para limpar armas já tinha uma forma bastante parecida com a do saca-rolhas atual.
Das armarias para a cozinha, ‘gambiarrar’ um instrumento para limpar armas na abertura de garrafas não poderia ser para sempre. Em 1681, o livro Treatise on Cider citou um aparato: “uma espiral de ferro é usada para tirar as rolhas das garrafas”. Se aquilo já era o saca-rolhas de fato ou ainda era o limpador de armas, nunca saberemos.
O que sabemos é que apenas depois de mais de cem anos surgiu a primeira patente do saca-rolhas. Samuel Henshall, um estudioso pastor anglicano da Inglaterra, registrou a ferramenta em 24 de agosto de 1795. Foi ele quem criou? É o que diz o papel.
O PRIMEIRO SACA-ROLHAS
Depois de patentear o pai dos arrancadores de rolhas, Reverendo Henshall associou-se a Mathew Boulton, um industrial de Birmighanm, para fabricar sua invenção. Uma das grandes diferenças dos limpadores de armas era que sua patente tinha um disco entre o final da espiral e início do cabo. Ele servia para impedir que o usuário se empolgasse e furasse a rolha muito profundamente perdendo a aderência necessária para puxar a rolha.
Também era dotada de um pincelzinho para limpar poeira do entorno do gargalo e do rótulo, muito comum em garrafas que descansam em adegas por anos.
Apesar de ter chegado primeiro no cartório, Henshall não teria sido o primeiro a inventar o aparato, segundo especialistas, os chamados helixófilos, que promovem encontros, seminários, e feiras que giram em torno dos saca-rolhas .
Durante os mais de cem anos de popularidade do saca-rolhas Henshall, outros modelos bem parecidos também compunham o share de mercado do produto, por assim dizer. A inscrição no disco distinguia, então, o ‘original’ das ‘cópias’.
Não demorou muito para que outros tipos, diferentes tanto na forma quanto nas funcionalidades, começassem a surgir. A despeito da imensa variedade que temos hoje à disposição, o modelo simples de Henshall é, ainda hoje, um dos mais replicados da história.
O MODELO DE THOMASON
Encontrar algo capaz de remover a rolha sem que o trabalho se torne um suplício já foi, em partes, alcançado pelo modelo inicial. Mas seria possível ‘automatizar’ ainda mais esse processo? Em 1802, Edward Thomason foi além, e criou um equipamento que não apenas penetrava a rolha, mas que, por força de torção, era capaz também de extrai-la do gargalo.
A solução foi relativamente simples. Bastava inserir o que foi chamado de ‘coroa’, mais ou menos da altura de uma rolha, que se encaixasse no gargalo da garrafa. Com uma espiral mais comprida, a rolha não apenas é atarraxada até o disco, mas ultrapassa esse limite e continua sendo rosqueada. A coroa então funciona como uma alavanca. Chegado o limite da espiral, gira-se para o outro lado de forma a fazer a uma segunda rosca girar, subindo ainda mais o conjunto e fazendo a rolha subir, até sair totalmente do gargalo.
Esse princípio foi utilizado em outros modelos mais modernos que extraem, assim como este, a rolha sem que seja necessário fazer muita força para puxar, já que o único esforço empregado é o de ficar girando a borboleta.
O charme desse modelo é a variedade de medalhões colocados na coroa. Outras variações posteriores começaram a colocar ‘janelas’ na coroa, que possibilitavam uma melhor limpeza e também remover uma rolha que pudesse enguiçar dentro do copo.
AMIGO DO GARÇOM
Esse modelo foi criado em 1882 pelo alemão Carl Wienke, batizada como Waiter’s Friend. O seu diferencial é uma alça que, encaixada na boca da garrafa, possibilita uma alavanca que reduz o esforço na remoção da rolha. Feito o rosqueamento da espiral, encaixa-se a alça na boca da garrafa e é feito um movimento alavancar puxando o cabo do abridor para cima.
O modelo é muito eficiente e, apesar de suas evoluções, ainda é um dos abridores mais populares até os dias de hoje.
Por sua forma, também é conhecido por outros nomes, como ‘chave de vinho’ e ‘faca de sommelier‘.
Uma outra versão melhorada da Waiter’s Friend é a Pull Tap, que extrai a rolha em duas etapas. Na imagem, com o saca-rolhas colocado na garrafa, é possível ver duas alças de encaixe articuladas.
Para usá-lo, coloca-se a primeira e faz-se o movimento de alavanca. Com a rolha semi-arrancada, posiciona-se a segunda alça e realiza-se novamente o movimento de alavanca para finalizar o processo.
COM ASAS
Pouco tempo depois, em 1888, foi patenteado na Inglaterra o modelo Wing, por H S Heely. Um modelo com estrutura semelhante foi também registrado nos Estado Unidos por Dominic Rosati, no ano de 1928.
Ele consiste em uma associação das tecnologias anteriores e é, de certa forma, uma junção delas. Tem a espiral de Henshall, o copo de apoio com janelas de Thomason e o princípio de alavanca de Wienke, só que mais elaborado: ao invés de uma, possui duas asas que, ao serem pressionadas, fazem com que a espiral suba, removendo a rolha. É um dos modelos que menos emprega força para abrir a garrafa, devido ao seu projeto.
O uso é simples: quando colocado sobre a boca da garrafa, a ponta da espiral toca a rolha. Conforme é rosqueada, a espiral entra na rolha fazendo com que o conjunto da espiral com a borboleta abaixem, levantando as asas. Quando a espiral está completamente dentro da rolha, as duas asas devem ser abaixadas ao mesmo tempo.
Os tipos de saca-rolhas inspirados nos modelos de Henshall, Thomason e Wienke ainda são os mais utilizados, apesar da infinidade de outros modelos disponíveis no mercado.
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