⍟ Ao longo de mais de um século, o que mudou na coquetelaria? Ora, alguém poderia dizer que nada mudou, já que muitos cocktails clássicos são reproduzidos nos bares do mundo inteiro até hoje. Mas será que isso é verdade?
O Clube do Barman entrou na máquina do tempo e fez uma viagem ao século passado para mostrar algumas diferenças entre a coquetelaria atual e como ela era feita naquela época.
GELO
No início do século passado o gelo era um item raro. A geladeira doméstica ainda não era popular, tinha um custo alto e, sobretudo, não conseguia produzir em quantidade que atendesse à demanda dos bares. Assim, era muito comum que os estabelecimentos adquirissem seus blocos de gelo de fábricas que o produziam em larga escala.
Naquela época, o gelo não estava apenas dentro dos cocktails, mas também era responsável por manter a refrigeração de produtos alimentícios, que ficavam armazenados em caixas revestidas de cortiça, que faziam as vezes de isolantes térmicos. Escrevemos uma matéria especial sobre a história das geladeiras que você pode ler clicando aqui.
Atualmente, a maioria dos bares de coquetelaria produzem seu próprio gelo ou o adquire diretamente de fábricas especializadas. A produção do gelo agora tem a tecnologia como aliada, dando origem a pedras cristalinas e duradouras. Isto reflete na apresentação dos drinks: eles não apenas são mais bonitos atualmente, mas também demoram muito mais tempo para ficarem aguados. Obrigado, tecnologia.
A consciência sobre a manipulação do gelo também é maior hoje. Ao passo em que, na época, era comum colocar as barras de gelo no chão e depois usar o mesmo gelo dentro do copo, atualmente a manipulação acontece com o uso de EPIs e tornou-se praticamente uma heresia bater o saco de gelo no chão para soltar as pedras. Recentemente, o Clube do Barman visitou uma fábrica de gelo cristalino, mostrando os segredos de sua produção. Você pode conferir a matéria exclusiva clicando aqui. Os cuidados necessários com o gelo no bar podem ser vistos nesta matéria aqui.
BEBIDAS
Um acervo muito limitado. Assim era o estoque de um bar. As distribuidoras de bebidas, responsáveis pela circulação de produtos ao redor de todo o mundo ainda tinham uma área de atuação restrita. Muitos bares ainda produziam suas próprias bebidas, como gins e vodkas, além de licores e outros mixers, algumas vezes de forma suspeita.
Durante a Lei Seca americana, era comum a produção de gin usando banheiras. Uma matéria especial sobre esse período obscuro da coquetelaria pode ser lida clicando aqui. As bebidas importadas eram um luxo para poucos e muitas vezes só podiam ser degustadas por aqueles que tinham condições de comprá-las fora do país ou adquirir com um importador. O uso de bebidas era bastante local. Deste modo, era preciso fazer um grande esforço para reproduzir um simples clássico ou, como era costume, adaptá-lo à limitação dos produtos disponíveis.
Atualmente, as multinacionais de bebidas estão presentes em diversos países, inclusive no Brasil, e isto torna possível a reprodução da coquetelaria internacional nos bares locais. Os valores também são bastante acessíveis, já que existe uma rede logística que torna possível o barateamento do transporte.
Os bares ainda produzem algumas bebidas, mas hoje fazem isto com mais técnica e não pela necessidade, mas porque acreditam que alguns produtos exclusivos e artesanais são responsáveis por conferir personalidade e agregar valor a um cocktail. Isto permite que bebidas com qualidade cada vez melhor sejam utilizadas nos bares, possibilitando uma experiência de consumo que era inacessível às gerações passadas. Veja uma matéria especial sobre a conservação das bebidas alcoólicas no bar clicando aqui.
UTENSÍLIOS
O início da coquetelaria foi marcado pelo uso de utensílios normalmente empregados no laboratório. Isto não é à toa. Muitos licores e misturas alcoólicas eram considerados elixires com propriedades medicinais. Naquela época, muitos remédios utilizavam como veículo não a água destilada, como é comum atualmente, mas o álcool. A maneira como as essências dos ingredientes era extraída para a produção de bebidas também é comum da coquetelaria e das farmacologia.
O próprio processo de destilação também era utilizado na produção de remédios. Deste modo, podemos encontrar os resquícios destes utensílios ainda hoje em uso no bar: o béquer, recipiente de vidro usado para misturar ingredientes, é o mixing glass no bar. O muddler, usado para amassar ingredientes, é o pistilo usado em laboratório. O cálice graduado é o jigger. Também usamos o frasco com conta-gotas, o funil… e quem nunca viu algum drink servido com alguma mistura especial em um tubo de ensaio? Ainda hoje usamos garrafas escuras para armazenas bitters, vermouths e outros ingredientes sensíveis à luz.
Uma frase atribuída a Albert Einstein define bem a semelhança que havia entre um laboratorista e um profissional de bar: “Um bartender é um farmacêutico com um estoque limitado“.
Atualmente, os utensílios, embora ainda tenham funções bem semelhantes àqueles utilizados no século passado, ganharam ares sofisticados. A variedade disponível no mercado possibilita escolhas de acordo com o estilo da coquetelaria adotada em cada estabelecimento. A recente inserção do design de utensílios próprios da coquetelaria japonesa que invadiu os bares do Brasil, por exemplo, deu aos utensílios uma elegância única. Confira uma infinidade de utensílios de bar clicando neste link.
ROUPAS
As vestimentas usadas nos bares mais abastados se assemelhavam bastante àquela utilizada por farmacêuticos. Pelos motivos já citados no tópico anterior, parecer alguém da área da saúde transmitia credibilidade àquele que servia atrás do balcão. Daí a predominância das roupas brancas e dos aventais.
É certo que, em bares mais simples, outros tipos de vestimentas eram adotadas. Nos saloons era comum que o bartender estivesse atrás do balcão usando camisa e colete. Isto porque o traje chamado de ‘passeio’, que era o de uso comum, era composto por calça, paletó e colete. Como o serviço do bar demanda mobilidade, o bartender guardava o paletó e ficava apenas com o colete, frequentemente arregaçando as mangas da camisa e, por vezes, utilizando prendedores a fim de mantê-las arregaçadas. Veja uma matéria especial sobre saloons clicando aqui.
Por outro lado, hoje são utilizados os mais diferentes estilos de uniformes atrás do balcão. Mesmo o que era considerado um traje comum no século passado, as roupas sociais denotam uma distinção ao profissional de bar, que o utiliza em bares mais refinados. Há quem prefira o estilo old school, camisa e colete. Há, ainda, o sóbrio estilo ‘roupa preta’. Quem nunca fez um freela vestido assim?
Bares em navios por vezes vestem seus profissionais com uniformes inspirados nas roupas de comissários. Mas o despojamento possível hoje seria impossível há um século atrás. Há estilos para todos os gostos e ocasiões. Ainda hoje, o clássico branco pode ser visto, vez ou outra.
DRINKS
As décadas passadas deram origem aos grandes clássicos da coquetelaria internacional. Há aqueles que já são mais que centenários e continuam agradando os paladares das novas gerações. Desde a era da proibição surgem mais e mais receitas que, pela simplicidade, sabor e personalidade, resistem ao tempo e continuam sendo sucesso ao redor do mundo.
Dos séculos XIX e XX, herdamos ícones absolutos da coquetelaria, como o Dry Martini, o Manhattan, o Old Fashioned, a Margarita, o Negroni, o Sidecar e diversos outros. Confira a lista dos clássicos mais vendidos do mundo acessando esta matéria aqui.
A ciência do bar não para de evoluir e, com o passar dos anos, foram sendo somadas ao repositório da coquetelaria diversas outras categorias de drinks e técnicas, que encontraram seu espaço no bar e seu momento de glória.
Os clássicos são revisitados e repaginados der acordo com as tendências da atualidade. Rodelas de fruta dão lugar a refinados zests, copos mais grosseiros são substituídos por taças, variações criadas para suprir ausência de ingredientes se estabelecem como as preferidas do paladar do público.
Assim caminha a coquetelaria, que já atravessa seu terceiro século de existência e não para de se reinventar para atender um público cada vez mais diverso, interessado no mundo do bar e com um paladar cada vez mais exigente.