⍟ De destilarias primitivas nos séculos passados à bebida luxuosa dos filmes, livros e bares mais conceituados do mundo, o whisky é uma enciclopédia de sabores, histórias e memórias. Prepare seu copo e viaje conosco.
Publicado em 15 de maio de 2021
Neste Dia Mundial do Whisky, o Clube do Barman convida você a embarcar em uma viagem para compreender um pouco sobre as prováveis origens desta bebida que conquistou o mundo inteiro.
A ORIGEM
Datada de 1494, uma carta do rei da Escócia, James IV, pedia uma quantidade exorbitante de uisge beatha para que John Dor, um frade da região, produzisse. Mas o interessante, aqui, é todo o contexto. O que aconteceu até 1494 para que a um frade escocês fosse demandada a produção de mais de mil litros de “aqua vitae”, como os monges chamavam em latim – que significa “água da vida” na tradução literal para o português?
A origem do whisky possui paralelos muito interessantes e simbólicos com a história do continente europeu. Como se sabe, no século 8 d.C, houve uma intensa e famosa invasão árabe em toda Península Ibérica e a região do Mar Mediterrâneo. Uma guerra que perdurou anos e anos e deixou traços culturais na Europa até a atualidade. Sendo o Mediterrâneo a principal porta de entrada e saída da Europa e a única rota de passagem conhecida do Ocidente para o Oriente, com esse domínio da Península Ibérica os árabes praticamente controlavam o mundo. E o que isso significava, além de um pleno domínio econômico? Domínio cultural e científico. Toda a região agora controlada pelos árabes era uma verdadeira área de trocas culturais e científicas dos mais diferentes povos e etnias.
Apesar de ainda misterioso, é um consenso que o conhecimento da destilação e produção do que mais tarde viria a ser chamado de whisky provavelmente venha, de fato, do Oriente. Há registros em livros da Índia, Irã e Iraque – que, na época, não eram ainda países – mostrando a preparação de uma bebida com os mesmos ingredientes do whisky convencional. Os produtores? Monges das regiões montanhosas da Ásia. Dessa maneira, com as fronteiras para o Ocidente abertas, esse saber se proliferou. E chegou à outra ponta da Eurásia – o Reino Unido e, mais especificamente, a Irlanda e a Escócia.
Assim, ao fazer esse recorte espaço-temporal, é possível chegar a uma conclusão. O modo de preparo do whisky teria saído do Oriente por volta do século 8 d.C; anos e muitos anos se passaram; guerras e mais guerras aconteceram; rotas de comércio foram traçadas, novas trocas culturais surgiram até que, quase 700 anos mais tarde, um rei escocês pedisse para um religioso preparar 1.200 litros de uisge beatha – o famoso whisky.
Assim como a preparação do destilado, sua história também é um verdadeiro exercício de raciocínio lógico e matemático.
Conheça o processo de produção e os tipos de whisky escocês lendo a seguinte matéria:
O ‘WHISKEY COM E’ e ‘SEM E’ DO OUTRO LADO DO OCEANO
Se o whisky chegou ao Reino Unido na virada do século XV para o XVI, era apenas uma questão de tempo para que conquistasse o resto do mundo.
Com uma nova rota comercial “descoberta” – as Américas – a bebida logo chegou por esses lados. Primeiro foi nos EUA e no Canadá, onde ingleses revoltosos se refugiaram. Inclusive essa história se confunde bastante com a introdução do gin nas Américas, narrativa que você pode ler melhor aqui.
E os EUA, povo historicamente protestante – seja na religião ou na cultura – mas nem todo puritano, logo se aventurou na arte da preparação do whiskey. Por conta de sua geografia e características geológicas, os Estados Unidos são um país produtor de grãos – desde trigo, centeio e até o milho. E o ‘whisky’ americano é produzido com grãos! Uniu o útil ao agradável. A produção do whiskey se popularizou rapidamente em território norte-americano. Isso posto, pode-se dizer que essa estrutura toda encontrada na América do Norte foi o embrião para a criação de mais um tipo de whiskey: o whiskey americano. Um de seus principais representantes é o Bourbon, produzido apenas nos EUA e tendo o milho como principal componente.
O whiskey americano, inclusive, foi motivo de guerra nos Estados Unidos durante o século 18. Trataremos sobre esse fato curioso em uma próxima oportunidade.
Apesar de ser produzido majoritariamente a partir milho e outros grãos com adição de centeio, o ‘rye whisky’ do Canadá, chamado canadian whisky, não leva a letra e no nome.
O ‘WHISKY SEM E’ DO OUTRO LADO DO MUNDO
Alguns registros dizem que a bebida chegou em solo japonês em 1918, levado por um químico de nome Masataka Taketsuru. A origem? A Escócia, é claro. Masataka havia cruzado metade do planeta Terra apenas para estudar sobre a produção do whisky. Como pode em apenas uma garrafa sentir tantos sabores? Estudou, observou, degustou. E decidiu: levaria a bebida à sua terra natal.
Com grande influência das destilarias escocesas, o whisky chegara ao Japão com pompas. Não era um período tranquilo para o mundo, porém. Eram os anos entre guerras, uma época de muitas incertezas e nervosismo. Mas feliz ou infelizmente, é justamente nesse momento em que uma nova bebida gosta de se proliferar.
Mas você, leitor, pode estar se perguntando nesse momento: Por que cada hora se escreve de uma maneira? Whisky, Whiskey, Uísque? Por que em cada lugar é escrito ou falado de uma maneira? O que está acontecendo? Cada nome será explicado mais adiante.
Se quiser saber mais sobre a degustação de whisky, leia a matéria abaixo:
DIFERENTES NOMES DE UMA ‘MESMA’ BEBIDA
Com o potencial econômico e principalmente alimentício que tem o whisky, era apenas uma questão de tempo para que diferentes regiões do mundo se aventurassem na sua produção. Além disso, se tem uma bebida alcoólica burocrática, é essa! Cada local, cada barril, cada ingrediente possui uma característica própria que você irá perceber ao provar.
E, na realidade, isso torna o seu gole de whisky muito mais interessante. Saber a história por trás da bebida que está em seu copo, todos os ingredientes usados para chegar naquele sabor específico, todas as rotas comerciais usadas para que os componentes chegassem à destilaria, todos os contratos assinados para que essas rotas pudessem ser usadas…tudo isso é história: e está dentro do seu copo!
Portanto, se cada barril de destilação é um universo a ser descoberto, torna-se apenas óbvio que a denominação em cada país também seja um universo à parte. Não há, contudo, uma explicação única sobre porquê cada país escolheu chamar de uma maneira.
Whisky: Escócia, Japão, Brasil e Canadá;
Whiskey: Irlanda e EUA.
Uísque: apenas a tradução “abrasileirada”.
É certo que o idioma de cada lugar influencie na maneira como um destilado é chamado em determinado local. Partindo-se do nome latino ‘aqua vitae’, água da vida, temos uma expressão inicial “uisge beatha”, que vem do idioma gaélico, língua do povo Celta – que ocupava a região norte do Reino Unido há milhares de anos. Na Irlanda não se dizia uisge, mas uisce. Desses surgiram os nomes Whisky/Whiskey dos primeiros produtores, a Escócia e a Irlanda (não necessáriamente nesta ordem). A escolha de cada país subsequente pode ser mais fácil de entender do que parece. Os EUA, por exemplo, é um país forjado no protestantismo. A Irlanda é um país dividido religiosamente: católicos de um lado, protestantes do outro. Além disso, o tráfego de irlandeses para os EUA e de americanos para a Irlanda foi algo recorrente a partir do século XVII – com efeitos dessa troca cultural vista até hoje (Boston Celtics, time da NBA e o St. Patricks Day, comemorado nos EUA). Resultado: nos EUA e na Irlanda é Whiskey.
Já o Japão, Brasil e Canadá tiveram o contato com o whisky a partir da Escócia. Em terras tupiniquins, inclusive, data de 1850 o primeiro registro histórico da bebida em nosso território, a pedido do próprio Imperador D. Pedro II.
A ÁGUA DA VIDA
Assim como a preparação da bebida, a sua história é cheia de pormenores e características peculiares. A origem oriental, a chegada ao Ocidente, o modo como conquistou os pequenos produtores e a avassaladora entrada no meio consumidor. O whisky é, antes de tudo, um fenômeno cultural. Retratado em filmes sempre exalando luxo e uma solidão ímpar, a preparação da bebida passa longe dessa percepção.
Assim como em seu nome inicial, “Água da Vida”, o whisky é, em apenas uma garrafa, uma aula de história do mundo. Só em um copo, com gelo ou sem gelo, temos religião, guerras, acordos comerciais e frutos das mais diferentes culturas e etnias. Assim como a vida. Assim como o mundo.
Portanto, nesse dia 15 de Maio, o Dia Internacional do Whisky, ao abrir sua garrafa e despejar o líquido em seu copo, lembre-se de tudo que precisou ser feito para que você pudesse aproveitar. Um brinde!
Aprenda um pouco sobre como a legislação brasileira classifica as diferentes bebidas alcoólicas:
A classificação das bebidas de acordo com a legislação brasileira
One commentOn A origem, os nomes e os sabores do Whisky
Excelente, exatamente excelente!
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