⍟ Durante a Lei Seca norte-americana, um concurso pagou com ouro o criador de um nome para aqueles que desrespeitavam as leis sobre bebidas. A palavra: ‘scofflaw‘. Para zombar da escolha, foi criado um drink com esse nome em Paris.
Publicado em 4 de dezembro de 2018, às 12 horas.
Em pleno século XXI, parece impossível imaginar que um país tenha conseguido sobreviver à Prohibition – ou Lei Seca americana. E realmente foi impossível. A história nos mostra que os tempos de temperança não foram capazes de deter o mercado das bebidas e o consumo de álcool nos Estados Unidos. Na véspera de aniversário de 85 anos do fim da Prohibition – porque, claro, não comemoraríamos seu início -, contamos a história de um de seus drinks mais caricatos: o Scofflaw.
O nome não possui tradução formal, mas foi criado a partir da justaposição de duas palavras em inglês: scoff + law. De acordo com o Dicionário Oxford, o verbo scoff significa ‘falar com alguém ou sobre algo de uma maneira escarninha ou zombeteira’, ou ainda ‘uma expressão de zombaria’. Law, é ‘lei’. Logo, temos, ‘zombar da lei’.
A palavra criativa foi inventada durante a própria Prohibition, em 1933, em um concurso organizado para escolher o epíteto que mais envergonhasse os mal orientados – ou, como sabemos, aqueles que faziam o possível para conseguir um drink durante os anos mais obscuros da coquetelaria mundial.
Encomendado pelo banqueiro pró-Lei Seca, Delcevare King, o concurso reuniu cerca de 25 mil propostas, porém scofflaw foi a grande vencedora.
O prêmio de U$200 foi pago em ouro e dividido entre duas pessoas: Henry Irving Dale e Kate L. Butler, ambos de Massachusetts. Este valor que parece ínfimo valeria, hoje, U$3.763,73 ou R$14.540,79.
Na época, o concurso atraiu a atenção da mídia e grandes jornais americanos cobriram o acontecimento, como o The Boston Globe e o Atlanta Journal Constitution e o Christian Science Monitor.
Como sabemos, tanta publicidade gerou um efeito contrário, fazendo com que algumas pessoas decidissem criar concursos para eleger um antônimo de scofflaw. Contudo, nenhum repercutiu à altura e o nome Scofflaw ficou marcado na história.
DELCEVARE KING: O MENTOR INTELECTUAL
Ferrenho apoiador dos tempos de temperança, o banqueiro ficou marcado por toda a vida pelo nome do cocktail. A história de suas cruzadas a favor de temas controversos e também do concurso para eleição do nome tomaram grande parte do seu obituário, publicado no The New York Times em 22 de março de 1964.
King, formado na Universidade de Harvard em 1895, já havia lutado por alguns temas pouco relevantes, como: usar a cor da universidade, carmesim, nas cores das classes individuais, tocar músicas de equipes visitantes em jogos de futebol de Harvard, introduzir o Esperanto como uma segunda língua da América, entre muitos outros.
Em outra ocasião, ele criticou a glorificação de beber na canção “Johnny Harvard”. No concurso para a escolha do nome que designasse os bebedores fora da lei, o corpo de jurados foi composto por ele próprio, um superintendente da Anti-Saloon League of America e um ministro de Boston.
À época do concurso, King afirmou à imprensa americana que seu objetivo era “atingir a consciência pública sobre a aplicação da lei”.
Em sua vida, King também foi membro da American Bar Association e presidente do conselho do South Shore National Bank, na cidade de Quin.
SEU MENTOR ETÍLICO: JOCK
De acordo com um dos mais respeitados historiadores da coquetelaria, Gaz Regan, o concurso feito por King ficou tão conhecido que atravessou o oceano e chegou à França, terra onde as bebidas não eram proibidas e a criatividade dos bartenders fervilhava.
Assim como muitas histórias de drinks, o surgimento do Scofflaw nos leva mais uma vez ao balcão do Harry’s New York Bar, em Paris. Jock, sobre o qual não existem muitas referências históricas, teria criado o cocktail fazendo testes de forma espontânea, usando os ingredientes de que já dispunha no bar, apenas aproveitando o buzz da história na Europa.
Analisando a estrutura do drink, que leva bourbon ou rye whiskey, vermute seco, grenadine, suco de limão e orange bitters, podemos perceber que, da mesma forma que o nome do cocktail foi criado com uma justaposição de duas palavras já existentes, pode-se arriscar dizer o mesmo sobre sua composição.
Com os ingredientes do Scofflaw, do ponto de vista meramente teórico, seria possível preparar duas receitas: Manhattan (whiskey, vermute e bitters) e Whiskey Sour (whiskey, limão). O grenadine, talvez, fosse o único ingrediente a sobrar na conta, porém, é um ótimo agente de dulçor para a bebida, usado em larga escala nos bares europeus na época.
Vale a pena lembrar que, na década de 30, o grenadine utilizado nos bares era uma espécie de xarope de romã ácido, temperado, e de qualidade inferior. Atualmente, a lei preza pela qualidade e determina que este insumo deve ter pelo menos 51% de romã puro em sua composição. Aprenda o passo a passo do preparo do grenadine artesanal nesta videoaula.
BOURBON, RYE E SCOTCH
Por mais que algumas receitas tenham surgido a partir do teste com outras bases alcoólicas para o Scofflaw, todas envelhecidas, uma coisa é indiscutível: o whisky é o ideal. Assim como outros drinks da época denotavam, este era o spirit favorito dos americanos e a Europa cada vez mais abraçava essa tendência.
Ainda na década de 1920, o cocktail foi criado com rye whiskey por um simples motivo: legalmente, as destilarias de whiskey bourbon deveriam estar fechadas. Mas como já sabemos, a destilação de má qualidade corria solta em porões e casas no interior dos Estados Unidos, fazendo com que um mercado informal da bebida movimentasse milhares de dólares todos os anos, financiados, principalmente, pelo contrabando de garrafas e pelo consumo nos speakeasies.
O efeito destes tipos de whisky no sabor final da bebida é sutil, mas muito importante. Feito à base de cereais, como o centeio, o rye ou whiskey canadense dá um toque mais apimentado para os cocktails. O bourbon, mais utilizado no preparo do Scofflaw atualmente, tem notas de sabor predominantemente amadeiradas e carameladas. Já o scotch whisky, tem notas defumadas e florais, que também podem acrescentar sabores interessantes ao cocktail.
Portanto, há um grande território a ser explorado na receita do Scofflaw. A seguir, um Scofflaw preparado com whisky Ballantine’s Finest, ou seja, um Scotchlaw:
Scotchlaw
INGREDIENTES
60 ml de Whisky Ballantine’s Finest (original com bourbon ou rye whiskey)
30 ml de vermute seco
7,5 ml de suco de limão siciliano
15 ml de grenadine
2 dashes de orange bitters
MODO DE PREPARO
Adicione todos os ingredientes a uma coqueteleira com gelo e agite.
Faça uma coagem dupla para uma taça cocktail ou coupe.
É opcional guarnecer com um zest de limão siciliano.